Taiadablog: Comandante Niltinho: A Pista !!!

terça-feira, 7 de junho de 2011

Comandante Niltinho: A Pista !!!

Eu não saberia dizer até onde vai à loucura de um piloto, na Amazônia , para ganhar dinheiro!
Eu já tinha consciência que nunca iria obter aquilo que vim procurar em Tucumã, isto é, um pedaço de terra, para que pudesse me tornar um fazendeiro, fazendo Taxi Aéreo! Já sentia  que um avião,  seria o mesmo que um caminhão, só daria para comer,e sobraria muito pouco para sua manutenção! Portanto toda oportunidade que aparecia para voar, lá estava eu, para o que  desse e viesse! E foi assim que esta historia começou!
Estava sentado na mesa de um bar na Vila Canópolis, em companhia de meu amigo Raimundo Bala, quando apareceu um garimpeiro ,de nome Jurandir, que havia encontrado muito ouro na terra dos índios Caiapós!
Sentou na nossa mesa, e começou a contar as história mais fantásticas que eu já tinha ouvido por aquelas paragens! Disse-nos  que havia feito muito ouro em seu garimpo, checando até mesmo a  comprar um avião.
Até que um dia apareceram os índios, e aí a coisa ficou preta, para não morrer teve que abandonar tudo e acabou sobrando uma pista que havia feito a margem direita do rio Iriri, que no momento estava abandonada, logo abaixo da divisa dos índios Caiapós. E como agora estava blefado, quase morto, só restava vende-la!

Como nunca vi meu amigo Raimundo recusar uma boa proposta, ainda mais que havíamos acabado de fazer uma venda de uma área junto com Levino, (o cabra que nos vendeu tinha acabado de matar um na Vila Canopólis e teve que dar  no pé) e portanto íamos receber uma boa grana.
“ - Quanto você quer na pista, homem? Já fui logo perguntando
- No estado em que ela está, entrego por vinte mil!
- É muito cara, foi logo dizendo meu ”sócio”, e daí em diante ele tomou a dianteira no negocio eu só fiquei observando.
- O que você tem lá?
- Um rancho, que talvez tenha que trocar as palhas, vários pés de frutas, e os direitos de uns mil alqueires de terra, mais ou menos, pois não tenho a consciência que exista alguém por perto.”
Aquilo fez brilhar os olhinhos de meu sócio, já imaginei o que  estaria pensando naquele momento: Terra, era isto que nos fascinava, aquele sonho de produzir, criar, de se tornar um fazendeiro, estava enraizado em todos nós, afinal, para quê ? O que este mundo de gente veio fazer no Pará, senão pelas suas terras?
Pergunto-me, se foi só por este motivo que a região do Iriri estava se transformando numa das regiões mais prósperas do Pará, Com a aquela calma peculiar meu amigo disse:
“- Está bem, qual o prazo que você nos dá?
- Sessenta dias, está bom?
- Está!” respondeu meu amigo.
E assim, de uma hora para outra, nos tornamos proprietários de uma posse com uma pista, e fiquei curioso para saber como estava, pois geralmente eram cavernosas, cheia de ondulações e curtas. E mais tarde vi que ela não escapava à regra.
Foi Lá que meu amigo e piloto Manga, para não sair da pista, deu um cavalo de pau, justamente em cima de uma pedra que havia no final da pista, e foi aquela lenha! Pudera, disse, uma vez medi e deu apenas 380 passos dos meus! Acabou ficando por lá por uns três dias até que um colega foi resgatá-lo. Parecia que nosso colega não era lá muito querido!
Retornando a São Felix, Raimundo Bala se incumbiu de esparramar a grande notícia, porém com um pequeno acréscimo, eram cinco mil alqueires, ao invés de mil!
Ah, meus amigos, vocês não sabem a confusão que aconteceu: aquela região já estava toda dividida, cada um dizendo que tinha mais terra que os outros, só que ninguém havia feito picada, era só no grito! Quem gritava mais alto, levava mais! E aí a coisa ferveu, ameaça de morte era o mais que eu ouvia!
Raimundo Bala não amarelou nem um pouquinho, pelo contrario, mandou recado que nós não íamos abrir. Um dia conversando com meu amigo Ditão, vendo que aquilo ia dar merda, ele me disse:
“ - Vou marcar um encontro com todos os donos de terras por lá, e vamos para São Felix na segunda, para colocar um ponto final nisto, senão vocês vão acabar se matando!”
E foi aí, é que vi o quanto foi oportuna aquela intervenção!
Partimos cedo e o encontro foi no meu apartamento. Como não tinha cadeira para tanta gente, Ditão  sentou-se no chão, acendeu um cigarro de palha, e foi logo dizendo:
“ - Vamos acabar com estas ameaças, porque na realidade ninguém sabe qual o tamanho da área! Sei que ela tem uns 50.000mil alqueires, e para que brigar-mos uns com os outros, se  juntos, podemos ser donos de toda a área?
É só nos unirmos e a coisa fica mais fácil para todos, um protege o outro, e unidos, seremos imbatíveis, e ninguém poderá tirá-la de nós! [mais tarde, o grupo de Redenção, Moisés e companhia ltda., tomaram 20.000 alqueires, e nada foi suficiente para impedi-los) vocês não acham?
Aquilo caiu como uma bomba entre nós, e era uma verdade! O danado do Ditão conhecia aquilo tudo, tinha pesquisado a área para a Perach no tempo do mogno, anos atrás.
Ficou combinado, e houve concordância geral, que todos  participariam da venda independente da área! Imaginem vocês que saímos dali parecendo uma irmandade só, ”na realidade ali não havia mocinho”, só não saímos abraçado, porem com uma certeza ,que ninguém iria matar ninguém, que alivio meu Deus. Devo esta ao Ditão, por sua capacidade de desatar nós. (embora levasse metade do dinheiro de todas as vendas). Este foi o preço que pagamos! Muito justo, vocês não acham?
Porém tinha um pequeno problema, a necessidade de limpar uma pista na beira do rio Yucatán, pista estratégica pois ficava no centro da área. Tinha sido construída por madeireiros uns oito anos atrás mais ou menos, e para esta tarefa (limpeza) foi escalado, o Baiano. Não havia no mundo alguém que soubesse andar na mata como ele, mas, apesar disto, tentou várias maneira para chegar à pista e não conseguiu! Foi de carro, de moto e nada, certamente em virtude do inverno brabo. A mata incumbiu de engolir a estrada!
O tempo foi passando e o Ditão foi ficando cada vez mais impaciente! Certo dia, vindo da nossa pista na beira do Iriri, encontrei, por acaso e passei bem em cima da pista do Rio Yucatán, dei uma volta e observei que numa pequena parte, cerca de 200 metros, o mato não havia crescido tanto! Quando cheguei em Tucumã, fui direto para casa do Ditão:
“ - Dito, vou pegar o Baiano e seus companheiros e levá-los para limpar a pista!
- O que você vai fazer Niltinho?” Ele tinha levado um susto
“ - É isto mesmo que você ouviu, passei sobre ela hoje e observei que dá para pousar, isto é, se não errar o pouso! Calculo que tem um bom pedaço dela que ainda não foi invadido pelo mato!
- Que loucura Niltinho, descer em uma pista abandonada para limpá-la não tem sentido! Olha lá o que você vai fazer, heim?”
A necessidade de ganhar dinheiro era tamanha, que na minha cabeça só havia um propósito, pousar naquela pista, a qualquer custo, inclusive o de quebrar o meu avião!
Peguei o Baiano e mais dois  de seus companheiros e um pouco de rancho, suficiente para uns 15 dias e fomos para o aeroporto! Abasteci o CZC porém tomei cuidado de colocar gasolina suficiente para ir e voltar e uma pequena reserva, ciente do sufoco que ia enfrentar!
O vôo não foi tão tranqüilo assim, pois pensava na loucura de ter ido, arriscando, além da minha própria vida, a de outras três pessoas que não sabiam do risco! Senti que não era justo. E tive vontade de voltar! Felizmente só vontade!
Quando chegamos lá o Baiano olhou para a pista, e levou um susto:
“ - Você vai descer aí Comandante?
- Vou Baiano”. Notei que ele olhava para baixo e balançava a cabeça levemente.
Parecia que a confiança que eles tinham em mim era grande  demais, todos permaneceram calados, só ouvíamos aquele silvo, provocado pelo vento passando pela fuselagem, o que era um sinal de que eu estava bem posicionado para fazer um pouso curto,  quase no “pré-stol”! Aquilo me dava coragem e determinação, só que hoje, não faria novamente, foi tudo muito arriscado!
Olhei para o Baiano, mais uma vez, que já não estava lá tão tranqüilo mas, porem, confiante naquilo que eu ia fazer. Coloquei o avião para tocar o solo bem no começo da área que parecia mais limpo, só que quando eu já estava atingindo o solo, notei que não era assim tão baixo o mato! Pensei em arremeter mas não dava mais! Moço, que susto! Só ali percebi que fui enganado pela ilusão de ótica olhando de cima, agora não tinha mais nada a fazer! Era descer ou descer! Tratei de puxar a mistura a fim de parar o motor,  tentando não deixar danificar a hélice e foi aquela bagaceira!
Os galhos atingiam o bordo de ataque das asas! A hélice, ainda girando, ia abrindo caminho e acabei parando o avião dentro de uns duzentos metros, suponho! Olhei para o Baiano, que estava branco, parecia que seu sangue tinha ido todo para o coração. Eu devia estar muito pior!
Abri a porta, desci e fiquei observando se havia algum estrago maior que o bordo de ataque das azas, e a hélice (teria que gastar uma grana!)! Não havia, graças a Deus!
Ficamos sorrindo, e achando graça, estávamos todos inteiros! Imaginem, um buraco de tatu, logo ali!
Naquele momento, a minha preocupação era: Como sair dali? Não havia pensado nisto!. O que não queria era ficar ali por muito tempo, imaginem, esperando limpar a pista!
Perguntei ao Baiano:
“ - Quanto tempo vocês gastarão para limpar somente o eixo onde passam as rodas?
- Acho que daqui para o final da tarde você tem sua pistinha, comandante! E não se esqueça de vir me buscar daqui a uma semana, que ela estará limpa! Prometo!
Quando caiu a tarde, estava eu decolando, e naquele momento me sentia realizado, satisfeito, missão cumprida. Estava voltando, ansioso para dar a noticia para o Ditão, Agora sim ele poderia fazer sua parte pois em breve teríamos a pista toda limpa.
Não preciso dizer que na data marcada decolei de Tucumã para buscar o Baiano e sua turma, e passando no través de São Felix, comecei a encontrar muita chuva (Nunca me sentia confortável em voar na chuva, após ter tido duas paradas de motor) e tive que passar por cima da camada, preocupado, tudo colado!  
Só de pensar que poderia estar assim na pista, fiquei triste pois, se tinha uma coisa que eu não queria fazer , seria deixar meus amigos passar mais um dia naquela mata, adiando a vontade de beber uma cerveja na cidade era grande!
Pensei comigo, voltar, nem pensar? Se não encontrar nenhum buraco na camada para atravessar, pelo menos vou marcar presença, pois assim escutarão o barulho do avião e vão ver que mantive minha palavra!
Cinco minutos se passaram e continuava sem nada ver! Uns três minutos depois, o tempo deu sinal de melhora! Pensei: caramba vai dar! E não é que quando sobrevoei a pista, olhei para baixo,e lá estavam meus amigos acenando! Só mesmo quem já passou por isto é que sabe a alegria de ver um avião e ainda mais que vem em seu socorro!
A pista tinha ficado uma beleza, dava para decolar até com quatro pessoas! Dei um abraço no meu amigo, agradeci pelo serviço: o danado não poupou esforços para deixá-la um brinco!
“ - Vamos esperar passar esta frente, que não quero passar com vocês o que passei na vinda, ta feia a coisa lá em cima, Baiano!” disse-lhes.
A vontade de sair dali estava estampado na cara deles e a falta da branquinha, já dava o sinal! Esperei uma hora, o tempo melhorou e partimos! Chegando a São Felix, foi aquela festa, tomamos um porrão, que beleza! Tínhamos feito um coisa inédita na Amazônia, e assim conseguimos o nosso objetivo pois vendemos trinta mil alqueires, os quais não recebemos, graças ao decreto do Presidente Lula, depois do qual ninguém  mais pagou ninguém e  eu, infelizmente, continuo pobre!
” -  Ai meu Deus, quando é que vou ficar rico?”

Comandante Niltinho
é piloto de garimpo

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