O mundo está vivendo uma crise global em sua economia desde 2008. Bilhões de dólares foram colocados no mercado a partir dos principais governos e órgãos mundiais reguladores da economia para conter a sangria. A bolha começou a partir dos Estados Unidos e, ainda que no período que vai de 2009 a 2011 tenha aparentemente estancado, continuou viva, como um câncer contido por medicamentos e cirurgias de emergência que aparentemente está sob controle mas que, de repente, volta a mostrar sua cara, causando dor e angústia no paciente.
Por conta desta crise econômica de proporções consideráveis, que depois chegou a Europa, causando um aumento nos níveis do desemprego local em nações como a Grécia, Portugal, Espanha, Itália e França, entre outros, a grande preocupação das pessoas passou a ser a sobrevivência, ou seja, como vamos pagar nossas contas?
É uma dor de cabeça e tanto conseguir manter em dia os pagamentos e, com isso, garantir a estabilidade financeira do próprio lar para a maioria esmagadora dos habitantes do mundo. Apesar da televisão e da mídia em geral propagarem muitas vezes o estilo de vida confortável da classe média alta e dos ricos através de novelas e filmes, por exemplo, prevalece no mundo a classe trabalhadora, assalariada, com rendimentos que lhes permitem viver dignamente (ou não em tantos casos denunciados pelos principais jornais).
E, ao nos darmos conta da questão econômica como vetor que mobiliza bilhões de pessoas, além dos modelos que a mídia impinge a massa quanto a vida como deveria ser, num momento delicado do planeta como o que agora vivemos, em que o mercado especulativo global entrou em crise por conta da ganância desmedida de empresas e investidores, surge a pergunta que dá título a esta reflexão: E a família, como vai?
Afetada por este momento infeliz da economia e influenciada por exemplos que corroem suas bases, a família vive igualmente uma crise. Esta situação, diferentemente das demais, nas quais se configuraram os novos modelos familiares que hoje povoam o planeta, mais diversos e portanto adequados ao padrão global que prega a tolerância, promove um desgaste ainda maior das células mater da sociedade ao propor um ritmo e uma dinâmica que afasta seus membros e promove entre eles até mesmo algumas disputas.
O que quero dizer com isso? Que para garantir mais que a sobrevivência, em busca de manter o seu status social, muitas famílias estão se desfazendo. O conforto para a família virou o mote para justificar a vida acelerada e corrida, de inúmeros compromissos e sacrifícios para pais e filhos, que muita gente leva hoje em dia.
As agendas estão lotadas para que as benesses da modernidade sejam garantidas. Pais, no plural mesmo, já que as mães, integradas ao mercado de trabalho em massa ao longo das últimas décadas, igualmente disputam cabeça a cabeça os reais que o mercado disponibiliza para pagar seus assalariados, trabalham de sol a sol, literalmente. As crianças, de olho no seu próprio amanhã, também estão assoberbadas com tarefas e mais tarefas que lhes são dadas nas escolas e em todas as demais atividades que realizam. Tempo para brincar? Pouco ou quase nada. O adulto do futuro precisa nascer mais cedo...
Tempo para conviver? Com os outros estas oportunidades surgem no trabalho ou na escola, no clube ou no mundo virtual, na igreja ou em outros locais de convivênvia. Nada que seja muito profundo, duradouro, apenas aquilo que é mais superficial. A amizade é um bem valioso que não deveria ser tão esquecido, largado, abandonado e, por incrível que pareça, muita gente tem deixado para trás este imprescindível bem que a humanidade sempre prezou tanto. Costumo dizer que hoje é mais fácil termos contatos do que amigos...
Mas, no que tange a estas linhas, a questão central é a própria família e, neste sentido, a situação está, muitas vezes, até pior que as amizades. O tempo é escasso demais para os filhos e para os cônjuges. Estes são, então, agraciados com bens na forma de presentes e mimos que são dados no intuito de substituir a presença, o carinho e as relações que deveriam estar acontecendo de forma frequente.
Há, certamente, uma série de enganos e desvios que as famílias estão tomando e que se opõe aos próprios interesses e caminhos a serem por elas trilhados. O estímulo a vida familiar não pode surgir da compra e aquisição de benesses que, constituem, é claro, parcela daquilo que deve ser vivido dentro de qualquer instituição, inclusive da família, mas nada pode substituir o que de fato importa e une as pessoas a ponto de levá-las a formar a célula mater da sociedade, ou seja, o amor, o carinho, o companheirismo, a solidariedade...
Se estamos em crise econômica global, é preciso trabalhar muito, não há dúvidas quanto a isso, mas o empenho individual na composição de recursos para manter a família não pode se tornar, por sua vez, o motor de uma crise no seio familiar que desestruture o casal, os filhos e os laços que os unem.
Há muitas crianças e adolescentes que padecem hoje de problemas como ansiedade, depressão, insônia e psiquismos que não eram comuns há 2 ou 3 décadas atrás, quando a vida era mais simples, sem tantos recursos e artifícios tecnológicos (a respeito dos quais também temos que repensar as relações e usos) e certamente sem tantos benefícios materiais a disposição. Não estou com isso querendo voltar no tempo e nem tampouco abandonar as conquistas que atingimos, mas fazer com que pensemos nesta situação buscando focar naquilo que realmente interessa e tem real valor, ou seja, nas famílias.
E a sua família, como vai? Já parou e pensou a respeito? Seus filhos, o que fazem durante o dia? Com quem andam? Perguntar apenas como foi o dia quando todos estão indo dormir ou parados no sofá diante da TV não resolve o problema. Sua participação tem que ser mais intensa. Sua presença tem que ser mais sentida e apreciada. Seus filhos tem que perceber sua preocupação, sua solidariedade, seu compromisso de pai ou mãe nas cobranças e no carinho que eles demandam. Senão, não fica difícil entender porque há tantos filhos doentes...
O mesmo se aplica ao relacionamento do casal. Participar da vida de sua esposa ou de seu marido passa necessariamente pelo apreço, consideração e respeito pela outra pessoa. Igualmente depende do amor, afeto, carinho e desejo que precisam ser constantemente mantidos. O amor floresce e deve ser mantido, como a chama na lareira, abastecido todos os dias com gestos, ações e palavras que tornem o sentimento ainda mais forte. O tempo deve ser aliado do relacionamento do casal, aproximando-o a partir das vitórias conjuntas e das dificuldades inerentes ao caminho de qualquer dupla que se ame.
A família continua sendo imprescindível e assim o será enquanto a humanidade existir, mas devemos prezar por ela e trabalhar para sua manutenção nas crises que surgem ao longo de seu caminho. Para que isso aconteça, nunca deixe de se perguntar: E a família, como está?
Prof. Dr. João Luís de Almeida Machado
Membro da Academia Caçapavense de Letras
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