PRAÇA DA BANDEIRA
A dupla soava meio estranho aos meus ouvidos que, aliás, já estavam sempre ligados aos ritmos do “rock and roll”.
Bom... Era “Tonico e Tinoco”, sabia que eram famosos pois naquela época ouvia se muito rádio, enfim conheço a muito tempo o gênero, a verdadeira música sertaneja bem antes da “brega encrencaneja” e por falar em encrenca, ao lado da dupla estava o exótico candidato Janio da Silva Quadros e suas vassourinhas em campanha.
O digníssimo futuro ex-presidente do país. País que por sinal logo depois virou outro tipo de nação onde não precisávamos mais votar e pensar por muitos anos. E lá vem a “furiosa” no finalzinho da tarde, a banda militar do Exército Brasileiro que já se aproximava enquanto o candidato e sua caravana embarcavam no expressinho da Central do Brasil com destino ao próximo município.
Muitos acompanharam o cortejo para as despedidas, tapinhas nas costas e as tradicionais fotos dos ilustres sempre pousados no peitoril, diante da porta do último vagão. Enquanto isso na Praça a garotada e o pessoal que por ali ficou, aguardavam ansiosos os últimos detalhes da acomodação dos componentes da banda no simpático coreto.
De repente o maestro levanta a batuta, e a festa se inicia: crianças, algodão doce, balões coloridos, jovens desfilando num enigmático circuito já estabelecido com tênues divisões sociais, muitos pracinhas e seus galanteios entre boleros e marchas e dobrados, perdemos a noção do tempo. Já é noitinha, quando por alguns instantes a música cessa enquanto os músicos descem com seus instrumentos, entram em forma e o som explode novamente em despedida, marchando em direção ao quartel.
Era triste e divertido assistir a garotada pulando, dançando e acompanhando o ritmo das marchinhas, como se a banda fosse um brinquedo sendo guardado de volta em sua caixa.
Após alguns segundos um breve silêncio e aos poucos íamos percebendo conversas risos gritos e alvoroço da garotada. Uma leve fragrância de ”dama da noite” como pano de fundo, competia em nuances com “Leite de Rosas” que exalavam das tagarelantes famílias já desacelerando as animadas conversa, algumas crianças dormindo no colo das mães, o pipoqueiro olhando pro relógio dando conta das últimas remessas, o distante bêbado tentava salvar as configurações e insistia em seus desengonçados passos o restinho de ritmo que sobrava em sua frágil memória.
Enfim, era o início da noite. A praça começava ficar um pouco vazia sem as famílias, restando os casais de namorados que por pertencerem ao futuro tinham um direito velado que os autorizavam avançar no horário, isso permitia a alguns participar da transição do I ao II ato, da “TFP” à boemia. Era a vez dos desocupados, arranhadores de violão, penetras e os chutadores de lata de plantão que por falta de opção embarcavam em qualquer canoa.
No decorrer dos anos as opções eram poucas mesmo nos finais de semana: aniversários, serenatas, Rosinha, cinema, botecos, jogos de inverno no estadão, sinuca, puteiros e bailes. A praça funcionava como um aeródromo europeu da II guerra, dali partia os bravos em suas aventuras e missões, horas depois voltavam estropiados, bêbados carentes, revoltados com os infrutíferos ataques, bombardeados com possíveis traições, ali tombavam os heróis que inconscientemente se achavam poderosos e donos da situação, isso quando voltavam.
A praça era a referência, o marco zero. Lembro de uma vez já alta madrugada, arrasado um desfecho amoroso, inconsolado e só, fui caminhando zonzo pela praça. Aí só de sacanagem, como era outono as folhas das árvores começaram a cair como no “Dr. Givago” quando “Lara” vai embora. Coisas da praça, e da minha cabeça, onde caíam as folhas. Fragmentos da memória de um momento em que a praça estava deserta, fria com ventania acompanhada de chuvinha fina e gelada, caprichos da natureza, pois só mesmo nestas circunstâncias ela ficava vazia.
Durante toda minha infância e adolescência a movimentação sempre foi constante, a partir da saída da missa nas manhãs de domingo, todos lá se encontravam, prá depois no início da tarde na entrada do Cine Vitória antes da matinê, juntávamos em grupinhos para jogar bafinho e trocar gibis. Na fase do ginásio, durante a semana, sempre à tardinha lá no Caçapavense, o saudoso Prof. Aloisio Barbosa tentava nos ensinar A L G E B R A com a gente ouvindo “HELP” como fundo musical vindo lá do OAP Bandeirante, o autofalante do Pierre, que era uma caixa de som que ninguém via pois era pintada de verde.
Ouvir aquelas músicas aumentando e diminuindo o volume conforme o vento e o quadro negro cheio de números, era uma viagem inesquecível e torturante até o momento em que soava a campainha que era o sinal da saída, alívio de quase todos pois havia alguns estudiosos e os que já estavam lá matando aula. Dali pra frente a coisa se animava com as chacrinhas e os namoros na saída do colégio que se misturavam com as turmas de alunos do período da noite formando uma festa de uniformes, onde boa parte dos namoros começava e continuava principalmente na saída do horário noturno.
Numa agradável noite de outono, 40 anos depois aqui estou exatamente no mesmo lugar, sábado, horário nobre e tudo muito frio e silencioso como naquela solitária madrugada, ninguém estava indo para uma brincadeira dançante no Clube Literário, Cantina Bambú, aniversário de 15 anos, ao Cine Centenário assistir “O Vento Levou”, para em seguida se arrumar para um baile no Jequitibá, depois levar a namorada em casa, e para tentar encerrar a noite, uma cervejinha com contra filé e pão francês no “Céu” que ficava na sinuca em cima do bar “Rancho Alegre”.
Hoje a “Praça da Bandeira” é apenas uma praça, um espaço físico somente, onde novas coisas acontecem. As mudanças são difíceis e as perdas mais ainda, mas a vida é assim mesmo, outras coisas vão ficando no lugar: amores, família, filhos, netos, carreira profissional e assim por diante.
Wagner Veiga, é nosso sumido amigo que reapareceu em 21/08/2010!
Um comentário:
Belíssima crônica.Também vivi tudo isso.
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