Esta é uma situação nova, pois até o ano 2.000 era raro encontrar um piloto brasileiro voando no exterior. Me lembro que um dos primeiros pilotos da Varig a pedir demissão e ir para uma empresa estrangeira foi o comandante Magalhães, que em 1988 foi voar na Transavia, uma empresa holandesa. Naquela época parecia uma loucura um piloto abandonar a carreira na Varig para tentar a sorte "lá fora", afinal, voar e seguir carreira na Varig era talvez o melhor emprego que a aviação brasileira podia oferecer . A cada dois ou três anos ficávamos sabendo de mais um colega que seguia o caminho do comandante Magalhães.
No final da década de 90, em um momento de retração do tráfego da Varig quando licenças não remuneradas estavam sendo oferecidas aos pilotos, houve um pequeno grupo que também foi voar na Transavia. Um destes colegas foi o Cmt Alberton, meu colega de turma desde a época em que voamos juntos na Rio Sul. Cheguei a cogitar a possibilidade de também me mandar para a Holanda, mas justamente naquele momento eu tinha conseguido uma vaga para voar no grupo da Ponte Aérea, fato que iria facilitar muito a vida minha e da minha mulher, já que nosso segundo filho havia nascido a menos de um ano atrás.
Alguns anos depois, com a Varig já mergulhada em crise, mais pilotos cruzaram o oceano em busca de um emprego mais estável. Foi um momento em que os pilotos da Varig, através da APVAR (Associação de Pilotos da Varig), estavam lutando para de alguma forma mudar o rumo no qual a administração da empresa estava seguindo. Em resposta às ações da APVAR, a empresa demitiu vários pilotos, que não demoraram para se empregarem no exterior. Com a crise se agravando nos anos seguintes, muitos não esperaram para ver o que iria acontecer. Quando a "velha" Varig finalmente encerrou as operações, a quantidade de pilotos desempregados foi muito grande, mas felizmente a aviação mundial, principalmente em países do Oriente Médio e Ásia, estava crescendo e foi capaz de absorver muitos profissionais. Alguns não se adaptaram à vida lá fora e voltaram para o Brasil, outros ainda estão por ir. Uns foram com a família inteira, outros foram sozinhos e periodicamente conseguem um bloco de folgas ou mesmo férias para vir para o Brasil.
Hoje é possível encontrar ex-pilotos da Varig em diversas empresas aéreas espalhadas pelo mundo. Korean Airlines, ANA-All Nippon Airways, Shenszhen Airlines, Singapore Airlines, Jade Cargo, Condor, Euro Atlantic, Ryanair, Jet Airways, Emirates, Qatar Airways e Taag são algumas destas empresas.
Um destes colegas que está voando no exterior é o comandante Moraes. Fomos colegas na época em que voamos o 737 e também voamos juntos na Ponte Aérea. O comandante Moraes me contou que muitos destes pilotos conseguem ter suas escalas de vôo condensadas de forma a obterem cerca de quinze dias de folga consecutivos, geralmente a cada dois mêses, para então vir ao Brasil. Alguns colegas, por causa do trabalho da mulher, da escola ou da faculdade dos filhos, bem como por diversos outros motivos, optaram por manter suas famílias no Brasil, adotando esse ritmo de vida peculiar que, diga-se de passagem, é muito sacrificante. Imagine o que é morar no Brasil e voar para empresas cuja base fica na Coréia do Sul ou na China. A cada 60 dias estes pilotos têm que, literalmente, cruzar meio mundo para voltar ao lar. Tendo em conta que eles gastam dois dias para chegar ao Brasil e outros dois dias para retornarem às suas bases, resta-lhes apenas pouco mais de uma semana para o convívio familiar. Muito pouco, né?
Contudo, algumas empresas facilitam bastante a vida destes colegas ao programarem suas escalas de modo a permitir que eles terminem e comecem suas programações a partir da Europa, diminuindo significativamente o tempo de viagem. Outra coisa que torna esse estilo de vida bastante estressante é o fato de que esses deslocamentos são normalmente feitos na condição de GC (ou ID 90, que são aquelas passagens super baratas para funcionários, mas cujo embarque não é garantido), o que significa que eles só viajam se houver lugar disponível no vôo. Infelizmente, não são assim tão raras as vezes que eles perdem um dos seus raros dias de folga por conta do voo estar lotado. Nesses casos, a alternativa é encarar um vôo de 12 horas "confortavelmente" sentado em um "jump seat" ao lado do banheiro do avião. E isso tudo sem falar nas demais dificuldades que fazem parte da vida de um expatriado, que é ser um estrangeiro em países com cultura muito diferente da nossa.
Admiro muito estes colegas que estão lá fora. Quando estou em Guarulhos e vejo um Boeing 777 da Quatar Airways ou da Emirates, sempre imagino que no cockpit daquele avião pode estar um ex-colega da saudosa Varig.
Comandante Beto Carvalho é aviador e piloto dos grandes jatos
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