Deve estar tomando posse por estas horas no Ministério da Justiça, a
nova presidente da FUNAI, a antropóloga e demógrafa Marta Maria de Azevedo. Que
novidade! Que ousadia da parte da presidente Dilma! Que coragem da Marta!
Nos últimos dias os corredores da FUNAI se avivaram com um movimento mais
acelerado de pessoas se comunicando, acionando a Rádio-Cipó, saindo de suas tocas e asilos, algumas covas, quais
zumbis de um clip de Michael Jackson; ouve-se um burburinho de alívio desde que
seu nome saiu no DOU. Depois de quase quatro meses de paralisia e indefinição,
a fumacinha branca subiu da Casa Civil. É quase isso, meus caros, tal o mistério
em que a FUNAI está envolvida.
Marta está entrando na FUNAI – e deve ter consciência disso
– como uma esperança de renovação. A Casa está arrebentada emocionalmente
depois do desassossego de mudanças desastradas, de perseguições a funcionários, de um discurso perverso e
enganador que a dominou durante os últimos cinco anos, da vergonha dos indigenistas
velhos e novos que sentem a cada dia a perda de legitimidade do órgão diante
dos próprios índios.
Durante dois anos a sede da FUNAI em Brasília ficou sob a
guarda de policiais armados e seu dirigente máximo sob escolta, com
medo,
imaginem, dos índios! A quem a FUNAI deve servir por existir
exclusivamente por
causa deles! Nem mesmo durante a ditadura militar, o tempo de Bandeira
de
Mello, ou o tempo dos coronéis Nobre da Veiga e outros, tal situação
chegou a
ocorrer. Pois bem, isso ocorreu durante todo o ano de 2010, sob protesto
permanente dos índios e dos funcionários da Casa, e o ano de 2011. O que
fazia o Ministério Público, o que diziam as Ongs que o apoiavam, e as
instituições de direitos humanos e da ciência antropológica?
Dá para esquecer? Não! Assim como não dará para esquecer,
por real e desfuncionante, a nefasta re-estruturação do órgão, com o fim dos
postos indígenas e de 13 administrações fundamentais, inclusive, Altamira, onde
hoje se desenrola a tétrica situação de Belo Monte.
Marta vem com os olhos acesos e o coração aberto, com uma
longa e amorosa experiência de vivência com os índios Guarani, tanto Kaiowá e
Ñandeva, quanto Mbya, para quem ela voltará sua maior e prioritária atenção.
Marta conhece índios do sul e do norte do Brasil, tendo pesquisado diretamente
com os índios do Alto Rio Negro, e sendo uma especialista em demografia
indígena.
Marta entra na FUNAI trazendo pouca gente. Não é de corriola. Certamente
pedirá a colaboração de indigenistas tarimbados, de gente nova que
aprendeu o ofício com dignidade. Marta é uma pesquisadora e etnógrafa
escolada, tem relações com antropólogos de todos
os matizes, tem trabalhado para ONGs, tais como o ISA e o CIMI. Sabe o
quanto
eles têm se dedicado a enfraquecer a FUNAI, e sabe o quanto é necessário
fortalecê-la. Portanto, tem senso critico e auto-crítico. Sabe que a
FUNAI é um
órgão digno, com defeitos horrendos e qualidades excepcionais, herdeira
do
velho SPI, de Rondon, Orlando Villas-Boas, Chico Meirelles, Darcy
Ribeiro,
Eduardo Galvão, Carmen Junqueira e tantos outros brasileiros que se
dedicaram à
causa indígena. Herdeira também dos coroneis, dos burocratas, dos
partidários, dos indiferentes, dos vendilhões.
Marta, porém, chega com obrigações de estado, algumas delas
que a levarão a tomar decisões que causarão desavenças sérias com
antropólogos, indigenistas e índios. Será
sua obrigação licenciar uma série de empreendimentos na Amazônia e
alhures, próximos de terras indígenas, com impactos direitos e
indiretos. Cada vez mais
próximos, em alguns casos, beirando terras indígenas. Estradas,
hidrelétricas, hidrovias, fazendas de soja e gado, tudo acercando os
índios.
O que Marta não poderá fazer, jamais, é enganar os índios. Ou ela diz
sim, ou diz não. Prometer a um Raoni que jamais dará licença a Belo
Monte ou a um projeto qualquer, e, na calada da noite, fazê-lo -- é um
acinte ao indigenismo brasileiro, um gesto de desonra para a FUNAI.
Rapidamente, nos próximos dias, Marta terá que melhorar a
situação indígena na região de Belo Monte. O descalabro que lá acontece é
inaceitável. Terá que equacionar a situação dos Pataxó Hãhãhãe,
convencendo o STF a decidir sobre a ação que está nas suas mãos desde
1982. Terá que fortalecer a luta dos Xavante de Maraiwatsede, cuja terra
foi homologada há 20 anos, que entraram de volta em 2005, e que, agora,
viram seus direitos serem cassados por um juiz regional. Terá que
cuidar do Parque do Javary, assolado de hepatite. Ai, meu Deus, terá que
fazer tanta coisa de urgência!
Nos próximos meses, Marta terá que convencer os Munduruku,
Kayabi e Apiacás a aceitarem as 22 hidrelétricas que estão planejadas para
serem construídas nos rios Juruena, Teles Pires e Tapajós. E se eles não quiserem? Que fará Marta?
Para os Guarani, Marta terá que formular uma nova estratégia para obter,
não 1 milhão
de hectares, como um antropólogo cheio de vento declarou quatro anos
atrás, mas
ao menos uns 50, 70, quiçá 100 mil hectares para os diversos grupos
Guarani que
se acham hoje acampados pelas estradas do Mato Grosso do Sul. Se isso
não é a solução final, é um começo digno de uma administração da FUNAI.
Luta ferrenha terá Marta Azevedo pela frente. Que tenha boa sorte e
saiba aproveitar do potencial que existe para mudanças na FUNAI e entre
os povos indígenas!
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