Na tarde do dia 31, sob o comando do general Cunha Mello, deixam a Vila Militar, no Rio, contingentes do Regimento Escola de Infantaria e do Regimento Sampaio, acrescidos de um batalhão de artilharia. São forças muito superiores às que o general Mourão Filho deslocara de Juiz de Fora e que, naquele momento, chegavam à divisa entre Minas e o Estado do Rio. Às margens do rio Paraibuna, fizeram a tradicional parada para reajustamento do dispositivo. Do outro lado posiciona-se a tropa legalista. Dá para se verem os oficiais de lá e de cá. Fixam-se ninhos de metralhadora, vai acontecer batalha de graves consequências.
Acontece que pela manha, bem cedo, já com seus tanques na estrada de Juiz de Fora para o Rio, o general Mourão Filho telefonara ao general Castelo Branco, anunciando a rebelião. São coisas das revoluções brasileiras, durante as quais todos os telefones funcionam. O então chefe do Estado Maior do Exército tomou um susto. Afinal, o golpe estava previsto para dali a alguns dias, até que os últimos contatos fossem feitos com generais e governadores de diversas regiões do país. Castelo mandou Mourão recuar, refluir e explicar que tudo não passava de um exercício para treinamento de tropa. Mourão dera à aventura o nome de “Operação Popeye”. Rejeitou com veemência a proposta, dizendo que saíra para vencer ou morrer.
Diante do fato consumado, Castelo fardou-se e, antes de rumar para o ministério da Guerra, ligou para o general Antônio Carlos Muricy, comprometido com a conspiração. Pediu-lhe para reunir alguns coronéis e seguir até a estrada de Juiz de Fora, a fim de assumir a chamada “ponta” das tropas revoltadas. Uma forma de controlar Mourão Filho. Entre os oficiais que Muricy conseguiu reunir num carro de passeio, sem características militares, estava o tenente- coronel Walter Pires. Fizeram contato com os mineiros antes que o general Cunha Mello deixasse os quartéis da Vila Militar.
Já era noite de 31 de março quando o marechal Odílio Denis, dando apoio no local ao general Mourão Filho, fica sabendo que à frente dos contingentes legalistas, do outro lado do rio Paraibuna, está o coronel José Raimundo, que havia sido seu ajudante-secretário, quando ministro da Guerra. Pede que o genro, major Gustavo, à paisana, atravesse a ponte no seu carro particular, procure o coronel e faça com que se dirija ao telefone de uma padaria, do lado adversário. Ele mesmo, marechal Denis, vai para o telefone de um açougue, do lado revoltoso. O transito também funciona normalmente em nossas revoluções. O diálogo é singular: “Raimundo, você está contra mim?” “Nunca, marechal! Não sabia que o senhor estava aí. Estou com o senhor!”
Não foi apenas por isso que desmanchou-se o esquema armado para defender a legalidade. Boa parte dos seus oficiais rejeitava João Goulart. Até o I Batalhão de Caçadores, sediado ali perto, em Petrópolis, havia-se revoltado. Uma constrangedora conversa entre os generais Cunha Mello e Antônio Carlos Muricy selou o resultado da batalha que não houve. Deu-se prazo de duas horas para que os já então ex-governistas retornassem a seus quartéis, na Vila Militar, seguindo-se depois os revoltosos, já então num festivo desfile, felizmente sem tiros nem sangue.
Em São Paulo, ainda na manhã do dia 31, o comandante do II Exército, Amaury Kruel, recebe telefonema de seu compadre, João Goulart. O presidente quer saber se pode contar com ele. Pressionado por outros generais e coronéis, Kruel hesita. Diz que se Jango mandar prender os principais lideres sindicais, livrando-se dos comunistas dispostos em seu governo, ele o apoiaria. A proposta é indigna, recusada com um “passe bem”. Estava selada a sorte do governo, pois antes mesmo de Kruel dar a ordem, regimentos do II Exército já se lançavam na via Dutra, no rumo do Rio de Janeiro. A conspiração estava tão bem organizada que três dos principais restaurantes de luxo de São Paulo vão se encarregar de enviar almoço e jantar para os soldados em marcha.
No Rio, encontram-se os generais Castelo Branco e Costa e Silva. O ministério da Guerra esta acéfalo, respondendo pelo expediente o general Moraes Âncora, cercado de oficiais legalistas, coisa que não acontece nos andares dos gabinetes dos dois conspiradores. As escadas estão bloqueadas, os elevadores não funcionam. Pode haver tiroteio. Alunos da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, sediado na Urca e comandando pelo general Jurandir Mamede são mandados para o ministério, fazendo a segurança de Castelo. Mesmo assim, ele e Costa e Silva decidem refugiar-se em “aparelhos” já antes definidos, na Zona Sul da cidade. No fim do dia 31, chegam ao ponto de onde não há retorno.
Jango sente fugir-lhe o tapete dos pés. Naquele longo primeiro dia de abril, malogra a tentativa de formar uma cadeia da legalidade, no Laranjeiras, pois apenas a Rádio Mayrink Veiga e a Rádio Nacional transmitem apelos de resistência. O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, é o principal orador, mas à medida em que a tarde chega, vão sumindo da sede carioca do governo ministros e auxiliares. O presidente abandona o palácio, vai para o aeroporto Santos Dumont, embarcando para Brasília, onde imagina resistir.
O Globo e o Jornal do Brasil são invadidos por pelotões dos Fuzileiros Navais, aparentemente leais ao governo, comandados pelo almirante Aragão, que proíbe-os de circular no dia seguinte, 2 de abril. Deixa pequena guarnição em suas oficinas.
Na Escola de Comando e Estado Maior do Exército, inteiramente revoltada, majores e coronéis organizam-se para participar do movimento. São informados de que o Forte Copacabana se revoltara, mas a sede da Artilharia de Costa, ao lado, permanece com o governo. Assim, o coronel Montagna, um de seus instrutores, reúne um grupo de alunos que, em automóveis particulares, tomam o rumo da avenida Francisco Otaviano, estacionando ao largo. Antes, avisaram o jornalista Flávio Cavalcanti, da TV-Rio, exatamente defronte ao quartel a ser atacado. Naqueles idos as câmeras eram verdadeiros dinossauros, funcionando até com rodinhas. A solução foi abrir um buraco na parede, e a invasão vai para o ar, ao vivo, numa transmissão que reflete a tendência da maioria dos meios de comunicação. Foi meio frustrante toda a operação, pois quem sofreu foi apenas o sentinela, esbofeteado pelo coronel Montagna. Lá dentro, um sargento é baleado, mas o general comandante encontrava-se no ministério da Guerra. A Artilharia de Costa vira revolucionária.
Ao mesmo tempo, no palácio Laranjeiras, já sem o presidente João Goulart, a tropa da Polícia do Exército encarregada de protegê-lo abandona os postos. Ficaram apenas dois tanques, cujas guarnições comandadas por um tenente resolvem aderir ao movimento rebelde, numa ação destinada a produzir muitas fotografias e grande publicidade. Os carros de combate saem vagarosamente do Parque Guinle, dirigindo-se ao palácio Guanabara, poucos quarteirões adiante, onde o governador Carlos Lacerda permanecia encastelado e protegido por caminhões da limpeza urbana. Antes, pedira ajuda ao general Castelo Branco, pelo telefone. Ouviu que não poderia receber um único pelotão do Exército, já que ninguém controlava nada e tudo era confusão. Muitos civis, lacerdistas, formavam barreira junto à sede do governo carioca, alguns armados de revolveres. Lacerda trocara o terno por um blusão de couro, com uma metralhadora INA trespassada no peito. Mas estavam todos desprotegidos. A Polícia Militar da Guanabara não dispunha de armamento pesado.
Ao avistar os dois tanques se aproximando, na ponta da Avenida Farani, todos se apavoraram. Primeiro, temiam uma invasão dos Fuzileiros Navais, do almirante Aragão. Agora, julgam-se atacados pelo Exército. Pânico e exortações patrióticas do tipo “resistir ou morrer” serão superados quando entram em ação dois oficiais à paisana, filhos do falecido general Alcides Etchegoien. Estavam lá para apoiar Lacerda e decidem apropriar-se da adesão. Sobem nos tanques, são informados e vão informando tratar-se de um ato de solidariedade ao governador. Terminam aclamados pela multidão. Durante semanas os jornais noticiarão sua “heróica intervenção”, mas os tanques já haviam se passado para o lado deles. (Continua amanhã).
Acontece que pela manha, bem cedo, já com seus tanques na estrada de Juiz de Fora para o Rio, o general Mourão Filho telefonara ao general Castelo Branco, anunciando a rebelião. São coisas das revoluções brasileiras, durante as quais todos os telefones funcionam. O então chefe do Estado Maior do Exército tomou um susto. Afinal, o golpe estava previsto para dali a alguns dias, até que os últimos contatos fossem feitos com generais e governadores de diversas regiões do país. Castelo mandou Mourão recuar, refluir e explicar que tudo não passava de um exercício para treinamento de tropa. Mourão dera à aventura o nome de “Operação Popeye”. Rejeitou com veemência a proposta, dizendo que saíra para vencer ou morrer.
Diante do fato consumado, Castelo fardou-se e, antes de rumar para o ministério da Guerra, ligou para o general Antônio Carlos Muricy, comprometido com a conspiração. Pediu-lhe para reunir alguns coronéis e seguir até a estrada de Juiz de Fora, a fim de assumir a chamada “ponta” das tropas revoltadas. Uma forma de controlar Mourão Filho. Entre os oficiais que Muricy conseguiu reunir num carro de passeio, sem características militares, estava o tenente- coronel Walter Pires. Fizeram contato com os mineiros antes que o general Cunha Mello deixasse os quartéis da Vila Militar.
Já era noite de 31 de março quando o marechal Odílio Denis, dando apoio no local ao general Mourão Filho, fica sabendo que à frente dos contingentes legalistas, do outro lado do rio Paraibuna, está o coronel José Raimundo, que havia sido seu ajudante-secretário, quando ministro da Guerra. Pede que o genro, major Gustavo, à paisana, atravesse a ponte no seu carro particular, procure o coronel e faça com que se dirija ao telefone de uma padaria, do lado adversário. Ele mesmo, marechal Denis, vai para o telefone de um açougue, do lado revoltoso. O transito também funciona normalmente em nossas revoluções. O diálogo é singular: “Raimundo, você está contra mim?” “Nunca, marechal! Não sabia que o senhor estava aí. Estou com o senhor!”
Não foi apenas por isso que desmanchou-se o esquema armado para defender a legalidade. Boa parte dos seus oficiais rejeitava João Goulart. Até o I Batalhão de Caçadores, sediado ali perto, em Petrópolis, havia-se revoltado. Uma constrangedora conversa entre os generais Cunha Mello e Antônio Carlos Muricy selou o resultado da batalha que não houve. Deu-se prazo de duas horas para que os já então ex-governistas retornassem a seus quartéis, na Vila Militar, seguindo-se depois os revoltosos, já então num festivo desfile, felizmente sem tiros nem sangue.
Em São Paulo, ainda na manhã do dia 31, o comandante do II Exército, Amaury Kruel, recebe telefonema de seu compadre, João Goulart. O presidente quer saber se pode contar com ele. Pressionado por outros generais e coronéis, Kruel hesita. Diz que se Jango mandar prender os principais lideres sindicais, livrando-se dos comunistas dispostos em seu governo, ele o apoiaria. A proposta é indigna, recusada com um “passe bem”. Estava selada a sorte do governo, pois antes mesmo de Kruel dar a ordem, regimentos do II Exército já se lançavam na via Dutra, no rumo do Rio de Janeiro. A conspiração estava tão bem organizada que três dos principais restaurantes de luxo de São Paulo vão se encarregar de enviar almoço e jantar para os soldados em marcha.
No Rio, encontram-se os generais Castelo Branco e Costa e Silva. O ministério da Guerra esta acéfalo, respondendo pelo expediente o general Moraes Âncora, cercado de oficiais legalistas, coisa que não acontece nos andares dos gabinetes dos dois conspiradores. As escadas estão bloqueadas, os elevadores não funcionam. Pode haver tiroteio. Alunos da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, sediado na Urca e comandando pelo general Jurandir Mamede são mandados para o ministério, fazendo a segurança de Castelo. Mesmo assim, ele e Costa e Silva decidem refugiar-se em “aparelhos” já antes definidos, na Zona Sul da cidade. No fim do dia 31, chegam ao ponto de onde não há retorno.
Jango sente fugir-lhe o tapete dos pés. Naquele longo primeiro dia de abril, malogra a tentativa de formar uma cadeia da legalidade, no Laranjeiras, pois apenas a Rádio Mayrink Veiga e a Rádio Nacional transmitem apelos de resistência. O ministro da Justiça, Abelardo Jurema, é o principal orador, mas à medida em que a tarde chega, vão sumindo da sede carioca do governo ministros e auxiliares. O presidente abandona o palácio, vai para o aeroporto Santos Dumont, embarcando para Brasília, onde imagina resistir.
O Globo e o Jornal do Brasil são invadidos por pelotões dos Fuzileiros Navais, aparentemente leais ao governo, comandados pelo almirante Aragão, que proíbe-os de circular no dia seguinte, 2 de abril. Deixa pequena guarnição em suas oficinas.
Na Escola de Comando e Estado Maior do Exército, inteiramente revoltada, majores e coronéis organizam-se para participar do movimento. São informados de que o Forte Copacabana se revoltara, mas a sede da Artilharia de Costa, ao lado, permanece com o governo. Assim, o coronel Montagna, um de seus instrutores, reúne um grupo de alunos que, em automóveis particulares, tomam o rumo da avenida Francisco Otaviano, estacionando ao largo. Antes, avisaram o jornalista Flávio Cavalcanti, da TV-Rio, exatamente defronte ao quartel a ser atacado. Naqueles idos as câmeras eram verdadeiros dinossauros, funcionando até com rodinhas. A solução foi abrir um buraco na parede, e a invasão vai para o ar, ao vivo, numa transmissão que reflete a tendência da maioria dos meios de comunicação. Foi meio frustrante toda a operação, pois quem sofreu foi apenas o sentinela, esbofeteado pelo coronel Montagna. Lá dentro, um sargento é baleado, mas o general comandante encontrava-se no ministério da Guerra. A Artilharia de Costa vira revolucionária.
Ao mesmo tempo, no palácio Laranjeiras, já sem o presidente João Goulart, a tropa da Polícia do Exército encarregada de protegê-lo abandona os postos. Ficaram apenas dois tanques, cujas guarnições comandadas por um tenente resolvem aderir ao movimento rebelde, numa ação destinada a produzir muitas fotografias e grande publicidade. Os carros de combate saem vagarosamente do Parque Guinle, dirigindo-se ao palácio Guanabara, poucos quarteirões adiante, onde o governador Carlos Lacerda permanecia encastelado e protegido por caminhões da limpeza urbana. Antes, pedira ajuda ao general Castelo Branco, pelo telefone. Ouviu que não poderia receber um único pelotão do Exército, já que ninguém controlava nada e tudo era confusão. Muitos civis, lacerdistas, formavam barreira junto à sede do governo carioca, alguns armados de revolveres. Lacerda trocara o terno por um blusão de couro, com uma metralhadora INA trespassada no peito. Mas estavam todos desprotegidos. A Polícia Militar da Guanabara não dispunha de armamento pesado.
Ao avistar os dois tanques se aproximando, na ponta da Avenida Farani, todos se apavoraram. Primeiro, temiam uma invasão dos Fuzileiros Navais, do almirante Aragão. Agora, julgam-se atacados pelo Exército. Pânico e exortações patrióticas do tipo “resistir ou morrer” serão superados quando entram em ação dois oficiais à paisana, filhos do falecido general Alcides Etchegoien. Estavam lá para apoiar Lacerda e decidem apropriar-se da adesão. Sobem nos tanques, são informados e vão informando tratar-se de um ato de solidariedade ao governador. Terminam aclamados pela multidão. Durante semanas os jornais noticiarão sua “heróica intervenção”, mas os tanques já haviam se passado para o lado deles. (Continua amanhã).
Por C.Chagas
Um comentário:
Que Deus mantenha vivo em nossa memória o momento oportuno da ação dos militares à época, pois se assim não fosse não estariamos nas condições pessoais de liberdade e nem de desnvolvimento que hoje nos encontramos
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