Na administração de uma empresa aérea, metas e perspectivas de crescimento devem ser cuidadosamente analisadas, pois um tripulante não se forma do dia para a noite, é preciso tempo para o treinamento e altos investimentos. No caso de pilotos (comandantes e copilotos) o tempo necessário para tê-los na cabine de comando, prontos para compor uma tripulação, é ainda maior. O departamento de ensino da empresa deve estar atento à necessidade futura da malha aérea, por isso, muitas vezes o quadro de tripulantes pode ficar temporariamente inchado até que a demanda apareça. Empresa crescendo é sinônimo de contratações e promoções de tripulantes e consequentemente um momento favorável
.
Acontece que nem sempre as metas de crescimento se dão como planejado, e neste caso o excesso de tripulantes se torna um problema para a empresa. Então surgem as demissões e os “descensos”, que é como chamamos os remanejamentos para os aviões e cargos anteriores. Os últimos funcionários a serem admitidos são dispensados, o comissário que havia sido promovido a chefe de equipe volta a ser auxiliar, o tripulante que saiu dos voos nacionais para os internacionais também volta para sua rota de origem. Evidentemente, diante deste quadro, é melhor um descenso que uma demissão, mas de qualquer forma, o grupo de tripulantes passa a voar com certa dose de desanimo e apreensão.
A aviação é cíclica, há os períodos de alta e de baixa, em minha carreira já passei por dois descensos. Em ambos os casos eu voava como comandante nas linhas intercontinentais e voltei para o quadro de comandante de voos nacionais.
Certa vez, em um distante país, uma empresa de aviação estudou o mercado e previu um grande crescimento para os anos seguintes. Como não é possível esperar a necessidade para iniciar contratações e promoções, ela iniciou o processo e muitos novos comissários e pilotos foram admitidos e iniciaram o treinamento. Os copilotos mais antigos na empresa observavam atentamente seus números na lista de futuras promoções e faziam contas para ver quando seriam os novos comandantes. Foi um período de euforia, todo mês um novo grupo de copilotos era promovido a comandante, as salas de treinamento e simuladores de voo estavam lotados e os pilotos instrutores recebendo uma remuneração extra devido ao processo de instrução. Bons tempos.
Mas algo deu errado. Talvez aquele país não tenha crescido conforme as expectativas, talvez a empresa tenha sido muito otimista quanto ao mercado ou talvez tenha sido apenas uma mudança nas estratégias dos administradores. O fato é que havia um excedente de tripulantes e o fantasma da demissão e do “descenso” apareceu para todos os funcionários. Na hora da demissão é difícil falar de critérios justos; há famílias envolvidas, casos particulares, sonhos, planos e ninguém quer ser alvo do “facão”.
Os mais de duzentos comandantes que haviam sido promovidos nos últimos tempos ficaram apreensivos. Os últimos comandantes a serem admitidos também, bem como os copilotos que recém haviam terminado o processo de treinamento, que em alguns casos durou quase um ano inteiro de grande dedicação. Os antigos comandantes (com mais de 60 anos de idade) ou que recebiam algum tipo de complementação salarial em função de aposentadoria se sentiram na “mira do tiro”. Foram meses de apreensão até que a empresa anunciasse a tal da lista dos demitidos.
Quando finalmente foi anunciada a lista e o critério para demissão, uns ficaram aliviados e outros surpresos por serem demitidos. Os comandantes novos na função ficaram, os mais antigos e experientes “dançaram”. Os novos comandantes foram promovidos por desejo da empresa, e apesar de terem pouca experiência na função de comandante, eram altamente capazes e com uma longa vida útil. Por outro lado, a empresa dispensar dezenas de pilotos com 17 a 35 anos de experiência como comandante, foi dificílimo. Foi um período tenso, ninguém merecia ser demitido. Para dificultar as coisas, o próprio mercado da aviação naquele país estava retraído, as empresas não estavam contratando. Uns procuraram seus antigos patrões, outros procuraram emprego em outros países e uns poucos se aposentaram definitivamente.
A aviação é assim, bons e maus momentos, por isso é bom aproveitar os voos, os pernoites e as oportunidades que aparecem no dia a dia do trabalho. Hoje tem, amanhã, quem sabe!
Comandante Beto Carvalho
é aviador e piloto dos grandes jatos
Nenhum comentário:
Postar um comentário