Já vi muitos casos de pilotos que se envolveram com animais selvagens e, alguns, resultaram em morte, como aquele que foi socorrer um colega que havia caído na mata e, acompanhando pelo rádio, e sentindo a agonia do acidentado, tratou de tranqüilizá-lo, prometendo pousar em uma pista de uma fazenda que existia nas proximidades e que voltaria a pé pela mata com materiais de primeiros socorros para ajudá-lo!
Este, foi encontrado tempos depois, morto e com partes do corpo devorado por uma onça! Havia se antecipado e entrado na mata sozinho, pagando o duro preço pela inexperiência!
Outros pilotos levaram apenas sustos, como foram os casos comigo ocorridos!
Conheci o Dimas, residente em Imperatriz, grande fazendeiro e madeireiro no Pará, quando ele veio a Ourilândia do Norte para comprar a fazenda Campos Altos.
Ele possuía um bimotor que não pousava na pista da fazenda, em razão dela ser curta e com solo muito irregular! Aí então ele me contratava para levá-lo no meu CZC que, para aquelas condições de pista, não resultaria em nenhum problema, apenas uns solavancos na hora do pouso e nada mais!
Esta fazenda, possuia dois mil alqueires, com mil alqueires de pasto, onde se encontravam mais de quatro mil cabeças de gado, já com área de 50% desmatada, (o permitido, na época!), e os restantes 50% de reserva, havia sido toda invadida e desapropriada, por ter sido considerada improdutiva !? (imaginem, com tanto gado!), pelo INCRA , que permitiu, ilegalmente, o desmatamento de toda a reserva legal pelos assentados, nada fazendo para manter a reserva, conforme a lei! E aí pergunto: a lei não é para todos? Porque somente os fazendeiros têm que manter suas reservas e os assentados do INCRA não? Que bela justiça é esta do Governo, vocês não acham? Hoje estas terras estão sendo adquiridas pela Vale, à preços bem valorizados, em razão de ali existir grande quantidade de níquel!
Daí por diante, a amizade com Dimas foi crescendo, até que um dia, ele convidou-me para dar assistência, com meu avião, a seu projeto madeireiro na beira do rio Pacajá, a cerca de trinta minutos de vôo da cidade de Portel! A base de seu projeto ficava na cidade do Repartimento, na beira da Transamazônica onde ele tinha uma grande serraria, além de uma outra em Belém!. Respondi que ia pensar no assunto.
Certa ocasião, quando a Polícia Federal invadiu a Fazenda Paraná, devido a uma denuncia qualquer, e desceu o “cacete” no Altameu, gerente da Fazenda, (que acabou ficando aleijando, mais tarde tive que levá-lo deitado no assoalho do CZC para o Paraguai, mas isto é outra historia!), e colocou os garimpeiros a correr pela mata, o clima estava tenso em Tucumã!
A PF tinha uma lista de amigos meus, todos garimpeiros, que haviam fugido do garimpo na hora da correria, que se embrearam pela mata, aparecendo, tempos depois em Tucumã, estropiados, cansados e famintos!
A carreira foi tão grande, que teve gente que nem olhava para trás de tanto medo! Bateram em muita gente e quebraram o pobre do “Paraguai”. Dentre os que fugiram, estava o “Cheiro Branco”, (porque existia o Cheiro Preto, outro valentão!), “cabra” bom de briga respeitado lá pelas bandas do Iriri (Terra do Meio!)!
E eu tinha a exata consciência que por mais aqueles homens fossem rudes, que ali estavam apenas para tentar fazer um “ourinho”, para sobreviver, e aquele estado de valentia, foi por causa do meio em que viviam, ambiente duro, difícil, onde somente os mais forte sobreviviam!
Tudo isto por culpa do Estado que não fazia a sua parte. Não eram bandidos, como a PF os via, eu convivia diariamente com uma porção deles, fazíamos negócios e nunca fui passado para trás ou ameaçado de morte por uma conta não paga!
Só tinha duas coisas que, caso você fizesse , poderia encomendar o caixão e acender a vela, pois a encrenca estaria formada: uma era levar um tapa na cara, e outra era mexer com a mulher alheia! Isto, meus caros, era caixão na certa, não tinha perdão!
Portanto, não via crime nenhum em ajudar estas pessoas, e naquele momento, meu amigo já estava encurralado no aeroporto, PF por todos os lados, e somente eu e o CZC, para ajudá-lo, saindo voando! Só tinha esta saída, o cerco já estava pronto, era só o rato cair na ratoeira. Eu teria que encontrar uma maneira de colocá-lo dentro do avião, sem que ninguém visse!
Chamei o Piloto Espanha, mandei-o abastecer o avião e fingir que estaria partindo para mais um vôo para o garimpo, e que não desse mancada!
Que fosse para a cabeceira da pista, e que encostasse a porta bem próximo do capim que existia por lá, que o passageiro estaria ali aguardando, era só manter a porta aberta e nada mais!
Orientei então o Cheiro, para que rastejasse naquele capinzeiro tão comum nas laterais das nossas pista, e que fosse para a cabeceira, aguardando o avião! Quando o piloto fosse checar os magnetos, a porta estaria aberta, era só ele pular para dentro e manter-se deitado!
E isto foi feito! Fiquei conversando com alguns policiais, e assim conseguimos dar um “olé” neles! O coitado do Cheiro, acabou tirando umas férias do Pará, por longo tempo!
Com todo este sufoco, tínhamos que enfrentar além da concorrência entre os pilotos para voar, pistas cavernosas e assim, a corda arrebentava sempre para o meu lado, pois nunca fui tão ousado como os demais, e com isto eu só “rapava o tacho”!
Quando eu voava trinta horas por mês, os outros já tinham passado das cinqüenta! Cara, estava louco para encontrar um local mais “light”, onde não fosse necessário ficar trombando com meus colegas pois aquilo me deixava contrariado!
Acabou que, quando o Dimas me fez o convite para voar no Repartimento, para dar assistência para suas empresas à beira do rio Pacajá, topei logo! Seriam umas férias para mim e estaria garantindo o IAM (Inspeção Anual de Manutenção!) do CZC! Só que não tinha a menor idéia do que iria acontecer comigo, no meio da floresta!
Despedi-me da família e decolei rumo à Transamazônica, notando que, na rota, passaria perto da Fazenda Paraná! Aqui na Amazônia era necessário você conhecer muito bem a localização de pistas de pouso (para casos de emergência) de tão poucas existentes!
Notei também que, por ali, “ciscar” (voar baixo) nem pensar, o mínimo teria que ser quatro mil pés, dado às muitas montanhas existentes na rota, certamente as maiores formações da serra dos Carajás e onde está localizada a gigantesca mina de ferro e ouro da Vale! Só mesmo sobrevoando para se ter uma noção de sua grandeza! Graças a Deus foi privatizada!
Após cruzar estas formações, o relevo começa a mudar rápidamente, pode-se ver observando o Horizonte Artificial que, quanto mais se aproxima o rio Amazonas, rumo norte, mais a topografia vai abaixando!
Quando pousei na pista do Dimas na serraria, localizada emcima de um morro, o Altímetro já marcava 500 pés e Tucumã está a 1000pés de altitude! Notei também, que as terras iam ficando com menor fertilidade. Para mim existe uma correlação entre fertilidade do solo e altitude pois, por onde passei na Amazônia a região que estava numa altitude maior era sempre mais fértil que aquelas que estavam em altitudes baixas e, abaixo dos 500 pés, a terra vai ficando bem fraca, muda até a qualidade das madeiras, a ponto de não se encontrar uma arvore de mogno sequer!
Já sobrevoando a pista para pouso que ficava ao lado da serraria, vi o tamanho da cidadezinha do Repartimento, como quase todas da Amazônia, pequena, suja, imunda, pobre e feia, resultado da incompetência e gatunagem dos políticos, aliada a tolerância dos habitantes, que só sabem dizer AMÉM! Ali cruzava a estrada que vai para Tucuruí e para a Transamazônica!
Pude observar também, a potência financeira de meu amigo. Tinha até uma fábrica de compensados. Um monstro de serraria! Na realidade o Dimas sempre foi uma pessoa que me surpreendia. Para começar, nunca falava de seus bens! Como todo mineiro, era desconfiado, reservado, porem um homem honesto, “ganhador” de dinheiro, companheiro leal como aquele, nunca vi! Hoje, devido ao rumo de nossas vidas, não o tenho encontrado mais e isto me deixa com muitas saudades!
Ele estava me esperando na casa sede, ansioso para irmos logo conhecer a região de extração da madeira, era ali que estava plantado o seu milhão de dólares, há cerca de uma hora de vôo dali, “socada“ no meio da mata, de onde só se saia de barco ou de avião, e também onde eu iria passar a maior parte de meu tempo.
“ - Como foi o vôo, comandante?
- Bom Dimas, havia passado por aqui há muitos anos atrás, quando vim correndo do blefo de Roraima, quando o Collor assinou o decreto da “pequena” reserva dos Ianomâmis, com mais de oito milhões de hectares, e com isto fomos expulsos de lá! Mudou pouca coisa!
- Vamos então instalar os rádios que você pediu para comprar, um aqui na serraria e o outro lá na mata, e após o almoço vamos partir!”
Bom, pensei comigo, bom começo, afinal o meu negócio era voar, ainda mais por região onde nunca havia passado, isto para mim era uma satisfação muito grande, conhecer novos locais sempre foi uma das minhas maiores alegrias! Hoje me contento apenas em escrever estas historias, relembrando os bons momentos vividos, e fico surpreso de ver como os encontro, no fundo da memória, passando-os para o papel, com a maior facilidade!
A mesa do meu amigo era farta e, logo após o almoço, deu-me aquela vontade de dormir um pouquinho mas, que nada, o homem tinha uma energia de fazer inveja, vivia dando ordem para todos os lados, empurrando aquela tremenda máquina de fazer dinheiro que tinha, (a serraria) onde, acho que se serrava mais de cinqüenta mil metros cúbicos por ano!
Armamos a antena do rádio na serraria, e partimos para instalar o outro na mata, combinando , antes, os horários de ligá-los!
Quando decolamos, verifiquei que não havia necessidade de ganhar altura, pois a pista estava mesmo muito acima do relevo da região e não havia serra! Era só manter aquela altitude que chegaríamos ao nosso destino tranquilamente!
Era bom de se ter estes conhecimentos pois, em tempos de chuvas, quando o tempo fecha ou quando a mata solta aquela bruma que esconde tudo, torna-se obrigatório voar por instrumento, e conhecendo previamente o relevo, facilita-se tanto o vôo em si, quanto o pouso!
A mata se estendia por todo o horizonte, parecendo um tapete persa, era uma maravilha, fico pensando hoje qual seria a melhor forma de conviver com ela, sem agredi-la tanto!
Este é o maior problema que vamos enfrentar e, até agora, não vejo nenhuma opinião coerente para atender as especificidades de nossas matas!
Uns são da opinião de não se tocar em nada e outros, são partidários de derrubá-la, como os americanos fizeram com suas matas. Eu, ficaria no meio termo, acho que seria o mais sensato!
“ - Niltinho, vou te mostrar as pistas próximas da “esplanada” (local aonde se colocam as toras para serem embarcadas que, naquele caso, ficava na beira do rio), e você vê onde fica melhor deixar o avião!
- Tudo bem, Dimas! Acho que quanto mais próximos da esplanada, melhor para todos!
- É que, a mais próxima, encontra-se em um retiro abandonado da fazenda da Cikel (grande exportadora de madeira) e não sei se seria perigoso deixar o avião desprotegido !
- Ah Dimas isto não tem problema, já estou acostumado, e além do mais, quem vai querer um avião velho igual ao meu? Tudo nele já esta beirando aos trinta anos! Somente os bichos da floresta, respondi, sem saber o que estava dizendo!
Desci na pista combinada e pude observar que o movimento de extração de madeira e beneficiamento era fabuloso! Dali saiam milhares de metros cúbicos prontos, com destino ao porto de Belém e daí para o mundo afora. E não existia apenas esta empresa, eram muitas as madeireiras vivendo na beira dos rios e na floresta e, no entanto, não se via nenhum sinal de depredação, principalmente para quem, como eu, já acostumado a ver o mundo lá de cima!
Observei que existia uma maneira totalmente errada de se ver o trabalho dos madeireiros, sendo comum se imaginar, que é o “vilão da Amazônia”, retirando da floresta, todas as árvores sem distinção e não é assim, doce engano pois só retira mesmo, as arvores que atingiram o tamanho ideal para o corte, deixando as demais para trás as de menor tamanho!
Até as estradas que eram feitas, para a retirada das toras, após o terceiro ano desaparecia por completo, não deixando nenhum sinal que por ali passou um madeireiro! Não se via nem vestígio mais. Duvido que exista alguém que voe sobre uma floresta e diga se ela foi explorada ou não!
Eu acho que o IBAMA devia rever estes conceitos e deixarem os madeireiros em paz!
Terminada a visita na Cikel, fui conhecer a pista que utilizaria pelos próximos dois anos e, de fato, era bem próximo, porém muito mal cuidada, cheia de mato! Era comprida e tinha até um velho hangar que acabei não utilizando, com receio dele cair no CZC e acabar com a minha alegria!
Era situada do outro lado do Rio Pacajá que, já inchado por vários outros rios de menor porte, era bem largo e já ia mostrando a sua importância como um dos afluentes do Rio Amazonas, após atingir a cidade de Portel! Esta travessia num dia de chuva com vento me assustava, de tantas ondas bem grandes que se formavam, mas não existia opção melhor!
Fui conhecer também onde iria dormir nas noites que passaria no meio da floresta, um “barraco” feito de pau a pique coberto de palha de babaçu, com as travessa para você armar a sua rede e foi aí que fiquei conhecendo o Darci, o homem de confiança do Dimas, com seus dois filhos saindo da adolescência!
Fiquei com pena daqueles dois, que teriam melhores chances na vida, caso estivessem sentados num banco escolar, se preparando para um futuro melhor, e não ali, dando duro para ajudarem seu pai a ganhar uns trocados! É uma pena que existam milhares de jovens da Amazônia iguais e trilhando o mesmo caminho!
O Dimas tinha ali uma estrutura pronta, tanto em máquinas para extração da madeira, como de caminhões para transportar as toras até a beira do rio, como uma enorme balsa para o transporte das toras para a serraria de Belém!
Sua produção girava em torno de trinta mil metros cúbicos de madeira de varias espécies, as mais nobres e de primeira eram serradas em Belém e exportadas para todo o mundo. As de qualidade inferior, destinadas ao mercado interno, para uso em construções, e o resto, a serem utilizados nas fábricas de compensados.
Nada se perdia e os impostos eram pagos religiosamente! E assim começou a minha vida de “piloto madeireiro”! Já não era mais “piloto garimpeiro”! Por dois anos a fio!
Minha vida compreendia em voar para a extração, levando materiais, ranchos, ferramentas etc., só retornando, quando fosse necessário ir à cidade! Isto, para não gerar vôos desnecessários, e com os rádios dando cobertura eu acabava voando pouco, o que não era ruim, em razão da combinação que fiz com o Dimas mas, o avião, acabava abandonado na pista, sujeito a alguém mexer, ou algum animal fazer dele sua casa!
Em Tucumã constantemente os passarinhos entravam no capô e faziam ninhos! Até dentro do escapamento já encontrei ninho e, se demorasse a retirar, teríamos um bando de filhotes morando dentro do motor! Seria uma graça ajudar a natureza desta forma, mas nunca poderia imaginar que a coisa pudesse passar disto, que a minha vida poderia correr algum risco, por causa de um animal qualquer! Como eu estava enganado!
Numa das minhas idas para Tucumã, a fim de fazer a manutenção do CZC com meu querido amigo Batatinha, (pois as anuais eu fazia com o Iron e o Baiano em Goiânia), acabei trazendo minha esposa Domingas e o Paulinho meu filho, que estava com três anos de idade
Sempre dizia para Domingas que outro filho jamais! Bastava o Paulinho, já estava velho demais para criar filhos novamente! Basta aqueles que tinha com a minha primeira esposa.
“ - Então, não se esqueça do anticoncepcional que, por falar, já está prestes a terminar! Trate de comprar outra caixa. respondeu ela, sorrindo, senão não terá a sua “raçãozinha”!
Fico imaginando como eu era apaixonado por aquela mulher, quando a conheci, ela tinha apenas quinze anos e eu cinqüenta, e tudo começou com uma brincadeira! Estava atravessando uma faze muito difícil na vida, era “blefo atrás de blefo” e mesmo assim ela veio morar comigo, no fundo de uma loja onde eu tinha uma agência de vôo, e até hoje ela me acompanha!
Na viagem de volta para o Repartimento, disse ao Darci que não haveria necessidade de acompanhar-me até o avião pois voltaria sozinho e não tinha nada para levar portanto ele poderia voltar logo dali da barranca do rio, ao que me agradeceu pois era uma homem muito ocupado!
Chegando ao avião, tratei logo de observar se tinha alguma coisa estranha, pois costumava toda vez que ia voar, fazer uma boa inspeção em torno dele, como meu instrutor Dr. Ulisses ensinou! Não achando nada de estranho, desamarrei as cordas, verifiquei o óleo, drenei os tanques e o carburador e, entrando na aeronave, dei partida e fui esquentando o motor enquanto taxiava para a cabeceira da pista!
Chequei novamente, observando que um magneto caia mais de duzentas RPMs, puxei a mistura e deixei-o funcionar naquele magneto por um minuto, até que voltasse ao normal e logo em seguida decolei!
Senti, imediatamente, que o avião não estava normal pois havia a necessidade de compensar no estabilizador horizontal, aquele peso que eu sentia do lado direito do avião, que não era normal!
Achei estranho porém resolvi tocar para frente afinal o resto estava tudo normal, pressão, temperatura, enfim, eu não era de assustar por pouca coisa: quando a temperatura e a pressão eram normais, não adiantava apavorar! Não era mecânico mesmo!
O dia estava lindo para voar, sozinho no meio daquela floresta onde havia uma tremenda atividade madeireira, e eu não conseguia detectar nada,
Ficava a pensar como a falta de conhecimento deste povo do sul, que condena a atividade de exploração da floresta, sem morar na Amazônia, sem conhecer suas nuances e mesmo assim se dão ao direito, talvez por serem brasileiros, de condenar a atividade falando um monte de besteiras!
Gostaria que eles abandonassem o ar condicionado e viessem morar em nosso meio, para depois então saírem dizendo o que é bom e o que é ruim para o povo da Amazônia! Quanta burrice, meu Deus dos céus!
Cheguei no Repartimento, já com uma baita saudade da minha “cabritinha”, dei um rasante e fui logo para o pouso, se tivesse aprendido corretamente, agora era o momento de fazer um tunô, para avisá-los de minha chegada, para irem me buscar no aeroporto.
O pouso foi normal e quando estava chegando na cabeceira da pista onde estacionava o avião, notei que já estavam me aguardando, só que apontavam para o trem de pouso do avião! Achei aquilo estranho, e mais estranho ainda, porque estavam rindo!
Desci e foram logo me perguntando o que é que estava grudado na lamina do trem de pouso. Levei um susto quando vi que era um baita bicho preguiça!
Cara, ele veio grudado no trem de pouso por uma hora seguida, e acredito que quanto mais olhava para baixo mais grudava naquele ferro, fico imaginando o susto que ele levou quando eu decolei e fomos lá para cima, tirando-o de seu habitat, coitado, acho que pensava: “ Onde é que fui me meter, que arvore que é esta, tão alta assim e não para de crescer?”
Só restava fechar mais ainda aqueles olhinhos e nada de olhar para baixo. Difícil foi soltá-lo daquele ferro, quem disse que ele abria os olhos? E os braços? Estava abraçado de tal maneira, que parecia aqueles abraços que os garimpeiros davam nas quengas do garimpo de tão apertado que era!
Que sufoco que este pobre animal passou! Foi solto numa mata que existia ali, próximo à serraria, e não deu tempo nem de dizer adeus, que ele já estava subindo numa arvore, com uma pressa que nunca vista num bicho daqueles. Talvez ele estivesse pensando que, com este “pilotinho” não vôo mais!
Naquela noite, fui dormir cedo, afinal aqueles dias que havia ficado na mata, havia me dado uma disposição de leão! Tratei de tomar um bom banho, e não é que levei um baita susto quando a Domingas me falou:
“ - Hoje não “cabritinho”, você não comprou os comprimidos? Eu te avisei!
- Logo agora é que você vai me avisar Domingas? Isto é sacanagem!
- Não é não, eu te avisei, meu bem!
- Domingas, juro que amanhã logo cedo, vou atrás dos “comprimidinhos”, prometo! E tivemos uma noite maravilhosa! Não existe coisa melhor para um homem experiente, do que mulher nova, que Viagra que nada, minha gente!
E os vôos continuaram! O Darci resolveu fazer uma casa de madeira, para melhorar a nossa estadia. Naquele rancho, misturado com aquele monte de peões estava terrível, eu não conseguia dormir direito!
No dia em que ele foi escolher o local da casa, por sinal num local alto e bonito, eu estava junto. Estranhei o local por ser bem debaixo de uma arvore alta, com uma sombra agradável sem dúvida, porém arvores isoladas que ficam após desmatamento, caem muito fácil, acabam perdendo a sustentação por ficarem sem proteção das outras, e este era o caso.
Chamei a atenção do meu amigo para o risco que iríamos correr pois, meu medo na Amazônia, sempre foi o tempo e é nas primeiras chuva do começo do inverno que reside o maior perigo, pois vem acompanhada com forte formação meteorológica!
Nós, pilotos, tínhamos muito medo destes temporais, desviávamos para bem longe, pois vem acompanhado de muita chuva e ventos fortes, além de descargas elétricas (raio)!
Olhava para aquela arvore sozinha sem nenhuma proteção já imaginava a “bagaceira” que poderia haver, caso se formasse um daqueles por ali.
Insisti muito para que ele afastasse a casa, mas foi em vão pois o teimoso fez a casa bem debaixo da arvore, dizendo que ali seria o melhor lugar para tomar chimarrão!
Certo dia eu havia acabado de chegar do Repartimento, o tempo começou a mudar para chuva, e eram uma seis e meia da tarde quando vi uma camada baixa, bem baixa mesmo, quase rente ao chão, de nuvens negras, as quais, numa velocidade impressionante passaram por cima de nós no rumo norte, voltando a seguir em nossa direção, aí irmãos, tudo aquilo que eu temia, acabou acontecendo! Desabou um temporal, semelhante aquele que aconteceu em Tucumã quando desabou a cobertura do posto de gasolina do Célio, os aviões foram jogados uns em cima dos outros, a porta do meu hangar foi jogado no chão, quase deixando o CZC no bagaço!
Estava na sala, quando o temporal chegou e tratei de correr para a varanda, vigiando aquela bendita arvore que se contorcia, gemia, e eu pensei: “vai rachar, não vai aquentar”!
Não demorou nada para que o previsto acontecesse, rachou e, com um barulho danado, um pedaço veio em minha direção, e pressentindo que ela ia me atingir em cheio, corri para fora, com a galhada raspando minhas costas e derrubando parte da casa! Só me restou ficar no meio do pátio, na escuridão, tomando chuva nas costas, escutando os gritos do pessoal que havia ficado dentro do que restou da casa!
Quando o vento acalmou, senti coragem de voltar para ver o que havia acontecido e, graças a Deus, encontrei os todos salvos, muito assustados, no entanto! E meu amigo disse:
“ - Você tem uma língua, heim Comandante?
- Isto, meu caro amigo, é o meu conhecimento de Meteorologia, adquirido através depois de muitos anos de sufoco nesta amazônia, que você não deu a mínima!
- É, foi mesmo!”
Deixamos aquela tempestade passar e tratamos de dormir, se é que dormimos naquela noite! Escapei do desastre por pouco!
No outro dia o tempo amanheceu bom e como se diz, depois da tempestade vem a bonança e é uma verdade, voltei para o Repartimento num dos mais bonitos dias em que passei por lá!
Ao chegar, tratei de comemorar meu aniversário, convidando a Domingas para ir tomar um sorvete na pracinha e depois meti a cara na cerveja!
Minha vida continuou naquele ritmo, ia e vinha, sempre carregado, quem nunca tinha visto avião acostumado a voar em garimpo, se surpreendia de ver o tanto de peso que eu levava! O avião pegava o mesmo peso que uma camionete!
A turma da extração gostou tanto, que fui convidado a retornar na próxima safra e aquilo me deixava contente, sabendo que eu e o CZC éramos muito úteis para aquele povo que passava quase seis meses dentro mata!
Fiquei conhecendo a cidade de Portel e uma cidade da ilha de Marajó, as quais você só chega ou de barco ou de avião. É triste você ver como vivem isolados estes nossos irmãos.
Um dia tive que decolar da extração, com um rapaz muito doente, que acomodei num banquinho (porque banco mesmo, só tinha o do piloto, para sobrar espaço para a carga!) e ele me disse:
“ – Comandante, você não acha que isto aqui está com mato muito alto? Porque não manda roçar? É perigoso pois existe muito animal peçonhento no meio desse mato! Se não arrumar ninguém, eu mesmo faço, quando voltar!
- Obrigado, eu vou mandar fazer isto! De fato, está ficando muito perigoso!”
Funcionei o avião, fomos para a cabeceira da pista, soltei os freios e iniciei a corrida! Logo atingiu as oitenta milhas, pudera a altitude ali era de apenas de cem pés, uma maravilha para se pousar curto e decolar em pequeno espaço!
Estava ganhando altura quando, de repente, do meu lado esquerdo surge uma baita aranha caranguejeira saindo debaixo do suporte da cabina e caminhou por cima do painel até ficar na minha frente, ai então, ela parou e me encarou!
Moço, quase morri de susto, vendo aquele animal peludo do tamanho de uma pata de boi, mal intencionado, preparando-se para pular em cima de mim, amarelei, fiquei duro, com meus olhos fixos nela, e tão assustado que capei o motor e resolvi retornar e pousar! O doente deu um grito:
“ - Ela vai pular em nós, cuidado, afastou o banco e foi lá para trás e tratou de por a mão na cara, e eu desesperado, não sabendo o que fazer! Não podia soltar do manche e me afastar dali. Recuei o corpo, para manter distancia e iniciei a descida sem dar flap sem nada, queria mesmo sair daquela situação!
Não é que ela resolveu voltar para onde havia saído, dando assim tempo para que eu preparasse o pouso, só que a alegria durou bem pouco pois, quando começava a arredondar o avião, ela aparece novamente e aí meu amigo, voltou braba, muito mais feroz! Parou no mesmo local anterior e se levantando nas patas, quando vi que era enorme, as patas eram tão compridas, fazendo ficar muito maior que era! Virei para meu companheiro e gritei:
“ – Passe-me esta lata de óleo, que está no assoalho do avião!” Minha idéia era espreme-lá no painel, antes que ela pulasse em mim, imaginem vocês!
Pousando o avião com a mão esquerda, com a direita meti a lata de óleo nela, tentando esmagá-la, porém não tinha forças para tal e além do mais, tinha que cuidar de tudo somente com a mão esquerda!
Entrei tão veloz para pouso que, se a pista não fosse comprida teria vazado! Quando parei, pensei que ia contar com meu amigo para acabar de matar a arranha mas, que nada, ele abriu a porta e saiu correndo, deixando-me ali, espremendo aquela aranha até sentir que ela estava morta!
Só me recuperei do susto, após uma meia hora e, antes de decolar novamente, fiz uma busca completa no interior do avião, procurando eventuais “irmãzinhas” daquela!
Chegando no Repartimento entrei na cachaça novamente, para comemorar mais uma vez o meu nascimento e com isto tomei vergonha na cara e mandei roçar grande parte da pista especialmente ao redor da área onde ficava o avião! Chega daquela brincadeira com animais. Mantendo a pista limpa, não tive mais problemas com nossos amigos da floresta, afinal era eu que estava invadindo o seu território, não é?
Após nove meses estaria nascendo a Ana Luiza, a coisinha mais fofa que Deus nos deu, e vocês mulheres nunca acreditem quando um velho fala que não serve mais para nada!. Serve sim, para fazer “encrenca”!
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo
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