Taiadablog: Comandante Niltinho: A Pousada de Pesca do Gugu !!!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Comandante Niltinho: A Pousada de Pesca do Gugu !!!


Certo dia, estava sentado na porta de um boteco na beira do Rio Xingu, vendo o encontro dele com o Rio Fresco, em São Felix do Xingu, quando topei com o Curiba, antigo piloto da amazônia, que de velho não tinha nada, estava naquela idade ideal que é dos trinta aos quarenta anos para que um piloto atinja a sua melhor performance  para ali voar, tão difícil e perigoso era, exigindo o máximo de sensibilidade e aqueles que não a tinham (que é sentir o avião na bunda!), só viviam quebrando aviões, como por exemplo o João Cai Cai, que ficou até com o apelido! Enfim, se o cara não fosse especial, a “lenha” vinha na certa e para o Curiba, no quesito voar, ele era o campeão!  Curiba sempre foi bom, e o é até hoje!

Região do Rio Iriri

“ - Olá Niltinho, estava te procurando, por onde andava?
- Por aí, uai!
- Rapaz, estou com uns conterrâneos seus, doidinhos para comprar uma área de terra na beira do rio Iriri, e como você é um marreteiro (aqueles que vendem de tudo), vou indicar você para eles mas olhe lá, quero levar o meu, certo? Não vai me passar a perna!
-Isto é galho fraco meu amigo, fique tranqüilo que você vai molhar o bico no negocio, fique frio! Até que estamos precisando mesmo, não acha? Faz tempo que não pego na “oncinha” (nota de cem reais!)!”

Nesta época estávamos passando por um desenvolvimento jamais visto na região do Iriri, todo mundo querendo comprar terras, era uma loucura,  negócios pipocando para todos os lados!

Até que não voava muito, pois vivia fazendo corretagens e, confesso que se continuasse daquela maneira, em breve a região estaria toda formada em pastos, com mais de um milhão de cabeças de gado, isto porque duzentas mil já estavam por ali!

Pudera, eram terras férteis e além do mais devolutas, e como desde Pedro Álvares Cabral era assim, nós entramos na dança e o mais engraçado, era que o Iterpa (Órgão Estadual  que dava os títulos de propriedade), exigia que se desmatasse primeiro, uma certa quantidade para que se concedesse o título da propriedade!

Olha que engraçado, agora estão multando aqueles que desmataram sem licença, só que a licença eles não concediam, se você não tivesse o título e para ter o titulo, tinha que desmatar, então entramos naquele círculo vicioso de desmatar para legalizar, tudo isto impulsionado pelo Estado! Na verdade ninguém queria desmatar nada, queríamos a existência de regras claras, que nos dessem uma diretriz de comportamento, diante deste aspecto da preservação ambiental e da sobrevivência!

Queríamos regras claras e justas, feitas por quem tivesse conhecimento global do problema, só que não existia nada disso, não existia um órgão governamental sequer em São Felix do Xingú para nos orientar! Éramos uma boiada sem rumo, com cada boi indo para onde quisesse, pela ausência do Estado! Claro que isto ia só dar merda! Então, hoje, não venham culpar aqueles que estavam ali, que não é justo!

“ - O que estes conterrâneos querem afinal?
- Sei lá, só que cara de fazendeiro eles não tem não, estão mais para turista, um deles usa umas roupas engraçadas, parecidas com aqueles turistas que vão para a África, só faltando o rifle e o chifre!
- Deixa comigo, que vamos dar aquela “matadinha” (fazer um bom negóocio)! Paulista é comigo mesmo, eu conheço bem essa raça, pois sou um deles!”

No outro dia lá estava, frente a frente com os dois estranhos, um, de chapéu a Indiana Jones, alto com uma cara de esperto, com jeito de paulistano que sabe tudo, conhece tudo e se julga malandro até prova em contrario! Essas pessoas são difíceis de se tratar, desconfiam até da sombra e já estava sentindo a dificuldade que teria para empurrar-lhes umas terrinhas!

O pior de tudo, no entanto, era que ele não se cansava de olhar-me de cima para baixo, analisando-me por completo, fazendo-me encabular! Tinha que ficar concentrado para não perder o cliente! Era também o mais calado, o outro, mais falador, era bem mais  simpático!

Área do Rio Iriri, onde foi construída a Pousada de Pesca do Gugu

“ - Então vocês estão querendo ver algumas áreas na beira do Rio Iriri? Foi isto que o Curiba me falou!
- É, queremos voar a região, para conhecer e ver se tem alguma coisa que nos interesse!
- Tudo bem, podem dizer o tamanho de área que desejam? E para que finalidade?  Assim teria como ajudá-los melhor, afinal tudo ali estava à venda mesmo!”.

O difícil era saber quem era o dono de fato das áreas, havia muita confusão nas divisas, tudo era feito na base da valentia, na realidade estávamos sentado em cima de um barril de pólvora, esta que era a realidade!

No entanto, quanto mais conhecesse as intenções deles, mais fácil seria para atendê-los, só que, quanto mais eu perguntava, mais eles escondiam o objetivo da compra da área!

Cara, que povo complicado, cheios de segredinhos, bem diferente de nós, que íamos direto no assunto, pensava eu! Assim vai ser dificil ! Quase os entreguei de volta ao Curiba, pois já estava com vontade de mandá-los à merda! Só que a vontade de ganhar uma graninha, acabou por acalmar-me!

“ - Senhor Gugu, (era como se chamava o Indiana Jones), o preço da hora de vôo, é de quinhentos reais. Se os senhores comprarem alguma coisa de nós, não pagam o vôo! Se não comprarem nada, pagam o vôo, combinado?”

Fazia isto para me livrar daqueles que queriam apenas dar um passeio de avião às minhas custas! Cano é o que não queria levar mais, pois eram muitos os malandros que se diziam compradores de terra, mas na realidade, queriam conhecer a região, geralmente corretores disfarçados de compradores.

“ - Tudo bem comandante, está combinado, partiremos logo pela manhã!
- Ok, respondi!” Só que vi que a coisa não seria fácil, os caras eram muito difíceis!

Conversei com meu amigo Ditão e resolvemos mostrar a área do Aroldo, justamente na confluência do Rio Iriri com o Rio Bala, uma linda área, e afinal tinha até um papel, que serviria de escritura! Não era grande coisa, porém a maioria não tinha nada. A área era de mais ou menos mil e quinhentos alqueires, e talvez eles gostassem, por ser cercada por rio de ambos os lados, uma beleza, ficando apenas com uma linha seca, sem dúvida daria uma bela fazenda de boi!

No aeroporto, o Indiana deu uma olhada com o rabo dos olhos, como que querendo ter certeza que aquela coisa voava! Tratei logo de tranqüilizá-los, dizendo que o IAM do avião estava em dia, embarquei meus passageiros, e parti rumo ao final da estrada que ligava o Rio Xingu com o Rio Iriri, que seria uma hora e dez de vôo!

Esta estrada foi aberta pela Mineração Canopus (mineradora do grupo Rhodia), há muitos anos atrás, quando extraíam cassiterita (minério utilizado para fazer estanho) e lá não existia pista de pouso, só servia mesmo, para nós, pilotos de garimpo, para quem qualquer estrada servia como pista! Quando queríamos ir à beira do rio para pescar, era lá que pousávamos, portanto já tinha razoável experiência de pousar ali, para pescar nas barrancas do rio!

Não havia necessidade de se ir longe, pois da barranca mesmo,  já se fisgavam gostosas corvinas e tucunarés! Nunca tinha visto um rio dar tanto peixe como aquele, e acreditem, talvez fosse, na época, o único rio que conhecia, sem um único desmatamento nas margens, que contribuísse para torná-lo um rio poluído! Poucas pessoas tinham conhecimento disto, somente quem o sobrevoou, e isto, de fato, representava muito poucas pessoas, por ser uma região muito desabitada!

No inicio do percurso já existiam muitas fazendas de gado, sempre dizia que o sonho de me tornar fazendeiro, ocorreria ali no Iriri, ou então em nenhum outro local, tão boa era a terra! Hoje tenho uma propriedade lá e está abandonada! Não gasto um tostão nela, pois o Ibama não deixa!

Durante o vôo, observava que meus passageiros não se entusiasmavam com aquelas pastagens, somente perguntavam sobre as distancias de um ponto ao outro, e eu então comecei a me intrigar, afinal o que aqueles homens queriam? Área para formar uma fazenda que não era, que diabos  tinham em suas mentes?

Longe de imaginar o que havia os atraído para aquela região tão isolada, senti que, quanto mais embrenhados pelas matas, mais ficavam satisfeitos, e isto me intrigava ainda mais! Tinha que ser ao contrário, uai!

Existia um programa de televisão naquela época, que eu gostava de assistir aos domingos! Era sobre pescarias, e o cara que apresentava o programa, usava um chapéu igual aquele do nosso Indiana, que também tinham o mesmo tamanho! Será que eu estaria voando com o mesmo personagem?

Olhava para ele e tentava buscar na memória as feições daquele pescador que apresentava o programa mas, nada, estava difícil demais! Deixa para lá, pensei eu, estes pescadores nunca compram terra, só gostavam mesmo, era de encontrar um bom lugar para pescar e nada mais! Seria alguém somente muito parecido!

Passamos pelo povoado da Canopus e pousei por instantes, para que eles conhecessem o último ponto de apoio, pois dali para frente, só se podia contar com a sorte e com Deus!

Olharam, olharam, porém não disseram nada! Levantamos vôo novamente, pousando na beira do rio! A descida foi um pouco complicada, quando lhes disse que iríamos pousar na estrada afinal, não estavam acostumados com estas presepadas e acabaram por ficar sérios, sem nada falar, certamente com medo!

Talvez tenham pensando que eu era algum maluco, porém não dei muita atenção no que falavam, afundei o nariz do avião rumo à estrada, e pousei, deixando os dois com mais medo de mim! Foi aí é que comecei a notar o olhar de satisfação que fizeram, certamente por estarem à beira do Rio.

Olharam tudo, molharam os pés nas águas barrentas, beberam da sua água, conversaram com os beiradeiros (populares que habitam as margens dos rios) que estavam por ali, tiraram muitas fotos, perguntaram se o rio era bom de peixe, onde seria o melhor ponto para a pesca, qual as iscas que eles usavam, etc e tal.

Fiquei só observando aquele interesse pelo rio e aí começaram a conversar sobre os lugares por onde haviam pescado e a conversa foi longe! Tratei de contar também, alguns causos de pescador muito interessantes, que tinham pescado ali, com a finalidade de animá-los ainda mais.

Percebi que ainda não era aquilo que eles queriam e, quando falei que a área era mais embaixo, porem, não havia mais estrada, notei grande satisfação do nosso Indiana Jones, afinal, quanto mais viam floresta mais  ficavam deslumbrados com a beleza do local.

Tem toda a razão, pois o mundo inteiro deseja preservar a Terra do Meio, é muito bonita sem dúvida nenhuma e a diversidade ali encontrada, de fato impressiona!

Decolamos e voamos rio abaixo, tinha hora que dava rasantes sobre o rio, mostrando as praias! Às vezes subia, para poderem admirar aquela maravilha de vida selvagem bem do alto e tinha hora que entrava pelo vale formado pelas montanhas que existiam em suas margens e saia novamente em cima do rio, e até eu, que estava tão acostumado com aquilo tudo, fiquei realmente surpreso com tamanha beleza!

Fomos assim, naquele vôo panorâmico, até encontrarmos a barra do Rio Iriri com o Rio Bala, e ali então, foi o local que mais os agradaram! Subi o Rio Bala até aonde deveria passar a divisa e voltei margeando o Rio Iriri!

Quando olhei para aqueles dois, notei que a “bola já estava na caçapa”, não tinha sombra de dúvida, afinal observei que aquela área era perfeita para eles, realmente tinham gostado muito e, mesmo que não quisessem deixar transparecer, seus olhinhos os traiam, brilhavam, quebrando assim o gelo inicial, talvez para não favorecer supervalorização das terras!

É sempre assim, quando você entrega a rapadura o outro te lambe, mineiro que é bom nisso, não dá sorriso sequer, para não deixar o outro lhe dar  uma “ferrada”! Vi então, que não haveria necessidade de mostrar mais nada, era só acertar com meu amigo, proprietário da área, e tratar de fazer um “over price” e ir comemorar aquela “matadinha” com meu amigo Ditão e o Curiba.

Pousada de pesca do Gugu, no Rio Iriri

Porém a coisa não foi tão fácil assim como eu pensava, quando eles falaram o que iriam fazer com a área, tomei um susto, pois queriam montar um hotel para pescadores de São Paulo, coisa chique, de gringo, e ali estava perfeito, muita mato, difícil acesso, longe do IBAMA, só se chegava de avião, enfim, ao invés de ir para a África, que seria mais caro, o turista-pescador viria para o Iriri, onde teriam a oportunidade de verem muitos animais na floresta| e pescar muitos peixes! Aquilo seria um verdadeiro paraíso para os milionários do sul! Aproveitei a oportunidade e perguntei se ele não era o apresentador do programa da televisão.

“ - Sou eu mesmo!” Que surpresa estar ali com o famoso pescador Gugu!
- Cara, na TV você parece ser tão diferente!
- Como assim? Respondeu curioso!” Quis dizer mais simpático mas não, fiquei com medo dele se zangar comigo, e mandei uma mentirinha:

“ - Mais bonito, você até parece um gala de cinema, e olhe que você leva jeito, brinquei!” Ele não disse nada, somente sorriu.

Vocês nem imaginem o que eu tive de aguentar daquele conterrâneo, para terminar aquele negócio! O homem foi muito exigente, tinha advogado pelo meio e quando tem advogado pelo meio a coisa complica, tudo fica mais difícil, e imaginem terras sem documento? 

Foram tantas as exigências que o meu amigo Ditão não aquentou mais e me disse: “eu não dou conta destes cabras! Como eles são da sua terra mesmo, você que se arranje, estou fora, senão vou acabar metendo uma bala no “zóio” deste enjoado!”

E assim foi, demorou mais de noventa dias para bater o martelo, só que quando acabou aquela novela, que já não aquentava mais, botei um dinheirinho no bolso, fiz a partilha da comissão e fui festejar com meus amigos, indo depois a Goiânia gastar um pouco com o CZC !

E aí meus amigos, o “bicho pegou”!

Alguém havia descoberto que o Aroldo tinha vendido aquelas terras, que ele entendia ser de sua propriedade, (era sempre assim, muitas vezes a venda de terras acabavam dando tanta confusão e até mortes, que acabávamos abandonando o negócio) e então partiu para cima de mim,  ameaçando-me!

Por mais que eu lhe garantisse que não tinha culpa, que era apenas o corretor, e que o Aroldo havia mostrado os documentos da área, não adiantou nada, o cabra contratou um pistoleiro para vir me pegar em Anápolis!

Que sufoco, tive que dar driblar o cara em Anápolis, e acabei partindo para São Paulo! Quase fui pego, escapei e fiquei em São Paulo, dando um tempo para que as coisas se ajeitassem e eu pudesse voltar à Tucumã!

Não foi fácil, mas após uma série de reuniões de confraternização, ele se conformou que a terra era do Aroldo, as coisas entraram nos eixos, e o senhor Gugu se tornou proprietário do mais lindo hotel pesqueiro do sul do Pará!

Deu muito trabalho para fazer a pista de pouso, o restaurante, os chalés, tudo transportado de balsa vindo de Altamira na época da cheia. Tratores, patrola, casas pré-fabricadas de madeira, enfim só mesmo ele para encarar um grande empreendimento, naquelas situações, eu mesmo achava uma loucura e pensava: “será que vai dar lucro?”

Ainda fiz alguns vôos para ele na época, só que mais tarde ele resolveu transferir sua base para Itaituba, onde tinha um bimotor que transportava seus hospedes mais barato e assim, perdi o contato!

Mais tarde fiquei sabendo que o negócio dele ia muito bem, até o Governador do Estado Dr. Jatene, grande pescador, esteve hospedado em seu hotel e por ironia do destino, foi este mesmo Governador que poderia ter retirado o hotel da área da Estação Ecológica criado pelo Lula, como foi feito com outras áreas, e não o fez, o que acabou comprometendo todo aquele investimento, fazendo o coitado perder o rumo!

Tomaram-lhe todo aquele investimento que fez com suor e amor, para deixar tudo abandonado, se acabando no tempo!

Nunca me esqueço de sua preocupação de fazer um ambiente em que o homem pudesse compartilhar, em harmonia com a natureza, sem destruí-la,  afinal temos que aprender a conviver com a natureza. É isto que não aprendemos ainda. Não devemos ser nem oito e nem oitenta e sim, termos o bom censo de saber como compartilhar com ela. E assim acabaram matando o grande sonho daquele “Indiana Jones” paulistano!

Fquei sabendo depois, que o hotel foi tomado pelo Ibama e está se acabando, engolido pela mata, a pista não opera mais, tudo abandonado, que pena, mais um projeto sucumbido pela ignorância de nossos governos!

E aqui dou um conselho para que todos aqueles que sonham um dia em ser fazendeiro no Pará, para que escolham outra região, bem longe da Amazônia, pois não tenho a menor dúvida que a região será ”castrada” como se castra um boi, sem anestésico!  

Comandante Niltinho
é piloto de garimpo                         

2 comentários:

Rui disse...

De fato a região do iriri é realmente impresionante, estive uma vez pescando por lá, pegamos muito peixes, oque este rapaz argumenta é verdade,ha uma distonia entre o Estado e o povo, é uma pena.

Unknown disse...

Por volta de 1982, o Gugu (apresentador do programa Terra da Gente da Rede Globo, começou um dos programas, sobre pescarias no Rio São Benedito, alegando ser a primeira vez que uma equipe pescou naquele local!
Incontinenti, entrei em contato com o programa, para alertar à produção, que, já em 1980, eu havia realizado uma pescaria no citado Rio, juntamente com uma equipe de amigos da Mineração Taboca, estabelecida em São Raimundo, no Sul do estado do Pará!