Os homens colocavam seus melhores ternos e as mulheres, os vestidos mais
elegantes. O jantar era servido em porcelana japonesa e o vinho, em
taça de cristal. Viajar de avião, anos atrás, não significava apenas se
deslocar de uma cidade para outra. Nos anos de ouro da aviação
brasileira, voar era participar de um evento requintado, pelo qual
poucos podiam pagar.
Nos anos 60, mesmo quem viajava na classe econômica da Varig
tinha acesso a refeição completa
Quase nada lembra as poltronas largas, as refeições completas e os mimos
como as caixas de chocolate suíço e os vidrinhos de perfume francês que
já fizeram parte da realidade dos passageiros. Aviões de grande porte
chegavam a contar com 15 comissários de bordo, além de seis
profissionais na cabine de comando.
A escritora Claudia Vasconcelos foi comissária (ou aeromoça, como se
falava na época) da Varig por 30 anos. Começou a trabalhar na empresa
nos anos 70, quando mesmo o passageiro da classe econômica tinha acesso a
um atendimento de alto padrão.
Antes da refeição, todos recebiam toalhinhas úmidas para limpar as mãos.
"Na primeira classe, o serviço de caviar da Varig virou uma grande
sensação", conta ela. "Mas, mesmo na classe econômica, a refeição era
servida em louça e o passageiro recebia talheres de metal e copo de
vidro." Ao fim da refeição, um café quente devidamente acompanhado por
chocolate suíço.
O serviço de bordo da Varig, detalhado por Claudia Vasconcelos no livro
"Estrela brasileira" (Editora KBR), chegou a ser premiado como o melhor
do mundo em 1979 pela revista americana Air Transport World.
"O Brasil nunca foi lançador de tendência nesse sentido, mas a Varig
tinha um serviço excepcional", diz o diretor de Comunicação e Marca da
Azul, Gianfranco Beting. Entusiasta do assunto, Panda, como gosta de ser
chamado, é autor do livro "Varig, eterna pioneira" (Editora PUC-RS e
Beting Books).
Serviço de bordo da Varig na década de 90
Panda diz que o serviço da Varig começou a se diferenciar quando a empresa começou a operar uma rota entre o Brasil e os Estados Unidos, passando a disputar passageiros com a americana Pan Am.
"Ou a empresa estabelecia um padrão muito bom de atendimento ou era
carta fora do baralho", diz. "No caso da Varig, um grande diferencial
eram os profissionais. A companhia tinha um time muito bom e investia
muito em treinamento."
Um dos grandes responsáveis pela excelência do serviço, até hoje
lembrado pelos seus ex-subordinados como uma referência, foi Sérgio
Prates. Ele entrou na Varig em 1956 e, entre 1971 e 1990, dirigiu o
serviço de bordo da empresa.
Era sua responsabilidade administrar o setor de compras, a estocagem do
material, os profissionais e as cozinhas da empresa. Para preparar a
refeição que seria servida a bordo, a Varig chegou a ter cozinhas
próprias em Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília,
Recife, Nova York e Lisboa.
Funcionárias preparam serviço de bordo da Vasp na década de 70
Prates afirma que o maior responsável pela fama que o serviço da Varig
ganhou foi o ex-presidente da companhia, Ruben Berta (1907-1966).
"Ele sabia que era difícil oferecer excelência no serviço de terra por
causa da deficiente infraestrutura aeroportuária e das condições
meteorológicas. Via, então, que investir em um bom serviço de bordo era
uma maneira de compensar o passageiro."
Outras companhias brasileiras, como a Transbrasil e a Vasp, também
chegaram a oferecer serviços de bordo que ficaram na memória dos
brasileiros. A Transbrasil, por exemplo, chegou a servir feijoada a
bordo nas décadas de 80 e 90.
Sobremesas oferecidas a bordo pela Transbrasil nos anos 70
Na Vasp, mesmo os voos da ponte aérea Rio-São Paulo contavam com canapés de entrada, refeição quente e diversas opções de bebida, como uísque, vinho e cerveja. O carrinho, que hoje inexiste em alguns voos, passava pelo menos duas vezes pelos corredores para os clientes se servirem.
"Às vezes a bebida alcoólica era até um problema, porque não podíamos
falar 'não' a um passageiro e alguns deles se excediam", diz a
ex-comissária da Vasp Marlene Ruza, conhecida como "Isa", atual diretora
do Sindicato Nacional dos Aeronautas.
Outra grande preocupação das empresas era com a apresentação dos
comissários e comissárias. Seus uniformes seguiam as últimas tendências
de moda, e acessórios como luvas, chapéus e echarpes faziam parte do
figurino. O estilista Clodovil (1937-2009) foi responsável pelo uniforme
dos tripulantes da Vasp por dez anos, a partir de 1963.
Chapéus faziam parte dos uniformes das comissárias da Vasp em 1970
Os profissionais eram treinados pelas próprias empresas e o processo de seleção era rigoroso. Peso proporcional à altura ("bem" proporcional, no caso das mulheres, mostra anúncio de recrutamento da Varig dos anos 60) e dentição perfeita eram alguns dos requisitos.
Era preciso, ainda, participar de cursos que ensinavam a história das
empresas e habilidades como a realização de partos a bordo. Ainda assim,
"toda jovem tinha o sonho de ser aeromoça", diz Claudia Vasconcelos,
ex-Varig.
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