Hoje vou relatar o causo de um doido que queria conquistar a América dos gringos! E digo isto porque existe também a América dos latinos, que não tem graça nenhuma, pelo menos os locais que visitei e porque esta razão ele não conseguiu! (Isto é o mais importante, infelizmente!).
Estávamos no regime do então “acadêmico” (se fosse do Salgueiro seria muito mais interessante para o pais) Sarney, quando tive um estalo, após tê-lo visto na televisão, chamando o povo para participar de seu governo, que seria de paz e prosperidade infinita, e que agora seriam novos tempos!
Vendo aquele babaca falar, fiquei tão entusiasmado, que logo tive uma grande idéia: importar avião da América! Pudera, o plano do Sarney estava dando tão certo e o país tão carente de tudo, de cortador de unha a avião, que acabei enxergando aí, minha grande oportunidade de “fazer a América”!
Vocês imaginem que, na época, um avião Skyline zerado, na “caixa”, nos EUA custava cerca de 104.000,00 dólares e, aqui no Brasil, um igual ano 74, custava o mesmo preço! Ah irmãos, seria mamão com açúcar, vocês não acham?
Tratei de oferecer os meus serviços (já que eu ia trazer um para mim) para os colegas, e os pedidos foram aumentando, rapidinho já tinha uns dez pretendentes!
Até o Mucuim, meu amigo garimpeiro que fez mais de uma tonelada de ouro nos garimpos do Pará e Roraima, acabou encomendando um Cessna 210! Que alegria! Só faltava agora ir para os “States”, embalar as mercadoria, mandar entregar, e já via o meu lucro, saindo na manha!
Diante do sucesso desta primeira etapa, parti para a segunda, que seria tirar meu passaporte, fazer as malas, comprar a passagem e dar no pé, e isto demorou uns trinta dias, deixando-me ansioso, afinal, que país não quer um “grande empresário”, disposto a levar um punhado de dólares para seu caixa? Se fosse para lavar pratos, a conversa seria outra!
Vocês não pensem que foi fácil convencer minha família a acreditar que meu plano tinha futuro! Não faltou gente para dizer:
“ - Você é louco Niltinho! O que vai fazer lá, se nem ao menos fala a língua deles? Vai é morrer de fome! Aposto que só sabe falar o tradicional I LOVE YOU (e não é que estavam com a razão?)
Não dei ouvidos a ninguém, eu já era parceiro do Sarney e não abriria mão, para mim era Deus no céu e ele na terra. E tratei logo de embarcar!
Cara, que bacana você subir a escada de embarque e dar uma paradinha lá em cima e virar para trás e dar aquele aceno de mão para os trouxas que ficaram para trás, aqueles que não são tão espertos quanto você! Isto faz um bem enorme para seu ego, você não imagina a transformação que ocorre consigo mesmo. É “a gloria” como diz aquela famosa bicha!
O vôo de Goiânia a São Paulo foi tranqüilo, só que quando você começa a ficar sozinho, aquele bando de curiosos e puxa sacos, (que ainda não acreditam que você vai mesmo!), ficam para tráz, dá uma paúra, bicho! Veja bem, você é macho mesmo quando tem um bando de macho atrás de você mas, quando fica sozinho, aí sim o bicho pega, e você chega a se perguntar: “Será verdade mesmo? Será que vou dar conta do recado, sem amarelar?” Só Deus sabe mesmo irmão, o que se passa na cabeça do pobre infeliz!
O embarque no Rio de Janeiro foi à noite, eu, todo na farda (terno), tudo novo, até as cuecas eram novinhas, meus parentes ali no aeroporto, dando o apoio moral! Minha companhia era a Aerolineas Argentina, de nossos hermanos do sul!
Meu agente me garantiu que era tudo novo, o avião era dos melhores, até as aeromoças eram todas novinhas e lindas, que eu ia ver um desfile atrás do outro! Só gatinhas, irmão, dizia aquele filho da puta (desculpem o palavrão mas ele mereceu, vocês não acham?).
O cabra me iludiu, vendendo uma passagem bem barato pelo preço de uma cara, porém, depois que embarquei é que vi ter sido enganado pois, eram aeromoças tão velhas, que levei um baita susto! Parecia que tinham aberto a porta do asilo!
Ao embarcar, mais uma vez senti a importância de viajar às Américas para realizar negócios, e não deixei de dar aquela paradinha, no final da escada de embarque, para acenar aos que ficavam para trás. Senti-me como o Obama, no dia de sua posse: A gloria!
Quando entrei no avião assustei-me pois, cara, era um daqueles Jumbos enormes de quatro motores, parecia que o corredor não tinha fim! Aí é que confirmei ter sido enganado pelo agente pois, meu assento, era ao lado das toaletes e na metade do vôo, já sentia aquele odor característico! Que droga, pensei, quando voltar eu o pego e dou o troco! Primeiro as aeromoças e agora a privada? Assim não dá! Isto que dá você ser um matuto (chineludo, para os gaúchos)!
Do meu lado sentou um bagual argentino vestido a caráter, alto e forte, seu bigode parecia que poderia dar a volta em seu pescoço, dando a impressão que era um marinheiro de primeira viagem, como eu!
Notei que quando o piloto arrochou as periquitas do Jumbo, e ele começou a tremer para sair do chão, os olhos do argentino se arregalaram, meteu a mão no bigode, olhou para cima, fechou os olhos e fez uma careta tão feia, que deu a impressão que ele ia se borrar todo! Parecia que estava ajudando o avião a sair do chão!
Pensei: “vou ajudar este Hermano pois, caso contrário vamos ter merda por aqui rapidinho!”
“ - Não se preocupe, disse, (do alto da minha sabedoria), que quando nivelar, o avião mudará de posição, e ai você vai se sentir melhor, aguarde!” Vocês nem imaginam como fica aquele monstro na hora da decolagem, dá a impressão que vai virar de dorso, de tanto que seu nariz fica empinado! Não é que o medo do hermano era bem justificável? Até eu senti! Bem diferente do meu “calanguinho”!
Parece que o Hermano entendeu o que quis disser, tanto que sua cor melhorou e se acalmou mais! Fiquei com a impressão que ele queria pegar na minha mão, tamanho era seu medo, que tratei de por a minha no bolso, afinal não ficaria nada bem me verem de mão dada com um bigodudo daqueles, não acham? Mesmo que fosse por uma boa ação!
Avião nivelado, voando a 40000 pés de altura, o piloto liberou para que pudéssemos soltar o cinto e se quisesse, dar umas voltinhas. Aproveitei e fui ao banheiro.
Moço, em toda minha vida de aviador nunca tinha chegado tão alto assim, me recordo uma vez, quando subi a 11000 pés com meu aviãozinho, olhei para trás e vi minha mulher (a primeira) desmaiada, devido à falta de oxigênio!
Eu estava encantado por estar dentro daquele imenso avião, só ficava andando pra lá e prá cá, vendo as coisas, parecendo um comissário de bordo, todo feliz, parecia uma criança, não tenham dúvida se fui ou não visitar a cabine de comando: é lógico que fui, imaginam se eu iria perder uma chance daquelas?
Quando vi aquele monte de “relóginho” fiquei tão humilhado que tive vergonha de falar que era piloto, não entendia nada daquilo, fiquei feito um “babaca”, parecia que nunca tinha visto uma cabina de avião, de tão “besta” que fiquei ! Estes sim é que são os verdadeiros pilotod e não eu, pensei!
Mais tarde, conversando com um piloto da Varig que faz esta rota , ele me disse:
“ - Piloto são vocês Niltinho, que voam o avião, nem piloto automático vocês tem! Nós não, desde que tiramos o avião do chão até na hora de arredondar para fazer o pouso, estamos proibidos de voar! Imagine você que o piloto automático, junto com o GPS faz tudo, faz a subida de acordo com a carta, entra na rota, faz todos os ajustes de manetes, e quando chega em Nova York , faz a descida, entra no tráfego, e eu só vou pegar no manche quando ele está em cima da pista para arredondá-lo, quer dizer, só pego no manche do avião apenas duas vezes, em todo o percurso, e para que?
Se o computador faz melhor que eu? E você vem falar que nós é que somos pilotos? Que nada, vocês sim que são os verdadeiros pilotos. Tem que voar se não o bicho cai! E isto partindo daquele comandante fiquei mais consolado!
Meu companheiro, ao lado, parecia que havia perdido a graça de voar, só porque ele se assustou na hora da decolagem, meteu um travesseiro na cara e dormiu quase a viajem toda, e eu meti a cara no uísque e, não demorou muito, também apaguei !
Quando estávamos atravessando a região do Caribe, o comandante entrou na fonia e convidou aqueles que quisessem observar o mar e as ilhas, que dessem uma espiada pela janela,e como era uma noite de lua cheia, tivemos a oportunidade de ver umas das paisagem mais linda que vi na minha vida, o mar era verde,muito lindo!
Irmãos, já não via a hora de sair daquela “arapuca” pois a sensação para nós, piloto de “calanguinho” (avião pequeno), é muito desconfortante, a impressão é a mesma de se estar num ônibus, com aquela porta que separa o motorista e não sei se é porque no nosso caso, tudo e todos sempre estão na cabine, e em contado com o piloto, e aí você fica mais tranqüilo, afinal está sempre de olho nele e isto torna o vôo muito participativo!
No caso dos aviões grandes não, você não vê o piloto, e isto me provoca uma sensação muito ruim, e era exatamente por isto, é que eu já estava querendo sair dali, confesso que estava ficando igual o meu companheiro argentino!
Quando amanheceu o dia, estávamos sobrevoando Miami, imaginem a velocidade em que estávamos voamos! Se não me engano, gastamos apenas sete horas de vôo! Imaginem eu fazendo este trecho, de skyline? Sozinho, olhando para aquele “marzão” e pensando nos tubarões lá embaixo, gelei irmãos! Pensei comigo, o que você foi arrumar seu “babaca”! Sai dessa agora!
Meus primos estavam me aguardando no aeroporto, moço, que beleza de aeroporto! E que tamanho, acho que dá uns três do Tom Jobim do Rio de Janeiro! Vou gastar um bom tempo só para falar dele cara, se não fosse um cabra “safo” (esperto), acreditem, estava até hoje tentando sair de lá!
Primeiro porque ninguém me avisou que tinha que pegar um metrô na saída do avião, para ir ao salão de desembarque da onde estavam minhas malas!
Ali mesmo me “embananei” todo! Saímos do avião e o povão rumou para um lado! Eu mesmo queria ir para outro, já de cara, porém, pensei comigo, vou acompanhar a boiada, porque boi esperto não abandona o rebanho! Para onde ela for eu vou atrás! E assim fiz, só que uma parte saiu para um lado e outra parou numa plataforma, aquilo me pareceu uma plataforma de metrô!
Aí então não entendi mais nada! Metrô, aqui? Dentro do aeroporto, não pode ser? E não é que uma porta se abriu, apareceu um vagão e o povão foi para dentro dele e eu parado ali, pensando vou ou não vou?
Tive vontade de jogar uma moeda para cima para decidir, que situação, meu Deus! Pensei rápido: “se o povão está indo eu vou também! Entrei no meio deles e fui, rezando, seja o que Deus quiser!
O bruto saiu dali “fervendo azeite”, moço como corria ou melhor voava! Num instante chegamos ao destino, que alivio!
Saí e mal olhei para trás, e o trem, zunindo voltou para buscar mais gente, certamente! Matuto do sertão sofre, pensei!
Cacei as malas e continuei atrás da “boiada”, até entrarmos numa salinha, e aí irmãos, a coisa ferveu! Estava levando uma garrafa de Pequi em conserva pois, se não levasse eu teria que ir para um hotel! Minha prima criada em Goiânia sonhava com pequi e a condição de hospedar-me em sua casa. seria levar piqui! Com muito custo, achei esta garrafa numa feira, e não foi ela que quase me mete na cadeia?
A imigração me separou dos outros, colocando-me sob interrogatório, para saber o que era aquilo! Moço, como explicar o que era o pequi? Não entendia uma só palavra!
Estavam querendo confiscar a garrafa e, pensei: “estou perdido, minha priminha me mata (ela tem quase 2 metros de altura)! Se não entregar-lhe o presente, coloca-me na rua! Não posso deixar a imigração ficar com este maldito pequi! Afinal, porque ela não pediu uma garrafa de 51? Foi logo pedir pequi, e nem era época da fruta!
A situação enrolou, até que chamaram uma brasileira para servir de intérprete, só que ela era gaucha e nunca tinha visto aquilo na vida!
Tentava fazer a cabeça dela, argumentando que aquilo nunca iria comprometer a flora dos EUA, e que o processo de conserva, já havia eliminado todos os germes! Só que ela via aquela garrafa de cerveja e dizia: “mas isto aqui é feito nas “coxas” (no mato), até que, por fim, acabei confessando que aquele presente era o meu salvo conduto para ficar hospedado na casa de minha prima!
E ai irmãos, fiquei na mão da gauchinha, será que ela foi com minha cara? Pensava, pensava, até que deram a sentença:
“ - Vou te liberar, pois parece que está falando a verdade, mas se aparecer novamente aqui, com este tal de pequi, vou te meter na cadeia! Ouviu bem?
Cara, quase dei um beijo na gaucha, e na despedida ainda dei um “viva o Rio Grande do Sul tchê!”. Aí então, ela deu um baita sorriso, e pensei: “se ficar por aqui, ainda dou um pega nesta gauchinha!
Não preciso nem dizer que foi aquela festa quando topei com meus parentes que, sem duvida alguma moravam em meu coração há muito tempo! Vê-los novamente, foi uma grande alegria, não obstante minha da minha prima ter perguntando logo:
“ - Trouxe o que te pedi?
- Está aqui! Promessa é dívida. E entreguei-lhe a garrafa de pequi!”
Nunca vi alguém pular de tanta alegria como ela naquele momento! Abraçava a garrafa, beijava, e me dizia:
“ - Ninguém vai comer do meu pequi! Só eu!” E me abraçava.
E eu então, pensei: “Escapou por pouco, heim negão?”.
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo
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