As lágrimas rolaram de seus olhos. Representavam a alegria e a tristeza que aquele homem vivia. Não era só o momento, de êxtase, aplaudido de pé por tantas pessoas. Reconhecimento justo por tudo aquilo que fizera ao longo de todos os anos de sua vida. Sempre entre os primeiros colocados em tudo o que realizara. Melhor aluno das salas pelas quais passara. Destaque nos vestibulares com várias menções em jornais por suas primeiras colocações. Exemplar durante a formação superior. Orador das turmas com as quais se graduara. Disputado por empresas onde muitos dariam de tudo para estar. Carreira sólida, sem manchas, só resultados expressivos.
Aquele instante de sua vida era a celebração do apelido que ganhara de colegas e detratores, invejosos quanto ao seu sucesso: Senhor Eficiência. Nada ficava para depois. Tudo era feito com qualidade e esmero. Prazos sempre respeitados, ou melhor, antecipados. As equipes pelas quais passara eram as melhores da empresa muito por conta de sua capacidade individual e estímulo (ou cobrança mesmo) para com seus pares. Subiu como um foguete. Em alguns anos era diretor da empresa, o mais jovem que aquela poderosa multinacional tivera em sua história.
Mas as lágrimas expressavam não só todas as láureas obtidas por ser o Senhor Eficiência. Havia escárnio na forma como até colegas se dirigiam a ele utilizando esta alcunha. Tinham por ele a deferência e o respeito pela carreira e resultados obtidos, mas o achavam esnobe, arrogante, topetudo... Invejosos de suas conquistas que revertiam para o campo material como patrimônio e riqueza a que poucos teriam acesso em toda uma vida, torciam para que ele falhasse em algum momento, que fosse algo comprometedor, que perdesse o emprego ou ainda que caísse em desgraça. Tinha apenas colaboradores por perto, nem ao menos colegas podiam ser chamados tais pares.
Parecia sentir-se superior a estas mesquinharias, tão próprias dos fracos, dos mortais, dos humanos... Sentia-se sobre-humano e, por isso, aquelas lágrimas o surpreenderam e também a muitos que por ali se encontravam e perceberam, mesmo que sorrateiras e disfarçadas com rapidez e eficiência por ele.
Era tecnicamente um soberbo profissional, mas a sua vida íntima era marcada pela frieza e distância. Quando criança tinha vergonha dos pais, que apesar de íntegros e honestos, eram gente simples, com pouco estudo. Nas escolas pelas quais passou estava sempre sozinho em algum canto, não tinha amigos verdadeiros e por isso se refugiava nos estudos. Não firmou compromissos sérios, era até mesmo frustrado sexualmente pois não conseguia sentir real prazer no ato íntimo, via aquilo apenas como uma necessidade fisiológica pela qual podia pagar como quem paga por um bom prato de comida num restaurante.
Os pais haviam morrido e suas lágrimas nem ao menos surgiram durante o enterro. Ia de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Não tinha hobbies e nem mesmo praticava esportes. Se era visto em público em reuniões sociais era porque os negócios assim o exigiam. Por vezes chorava sozinho no imenso banheiro de sua cobertura ou ao volante do esportivo modelo alemão que gostava de dirigir nos finais de semana. Tentara ter animais de estimação, mas peixes e passarinhos morriam porque ele se esquecia de alimentá-los enquanto cães e gatos ele logo passou adiante para seus serviçais...
As lágrimas no evento não eram de crocodilo, nem tampouco de felicidade incontida pelos milhões que estava ganhando para si e para empresa... Era impossível para ele entender com propriedade aquela ponta de tristeza que o acometera naquele momento tão glorioso, mas o choro contido trazia as ilusões e amarguras de alguém que não tinha amigos, amores, família para celebrar com ele, de fato, aquela vitória inconteste. Sabia ele que depois do evento os participantes voltariam para suas casas, cônjuges, filhos ou que sairiam com amigos e namoradas, enquanto ele, o celebrado Senhor Eficiência, ficaria só com seus pensamentos, distante de tudo e de todos...
Mas como ele era o Senhor Eficiência, logo enxugou os olhos mareados, disfarçados para tantos como emoção pelos louros ali entregues ao vencedor, engoliu as mágoas, pensou nas verdinhas que o tornavam ainda mais rico e mirou o champanhe importado que guardara para comemorar sozinho na banheira de seu duplex... Era um campeão e só isso lhe bastava, sentimentalismo era para os fracos...
No dia seguinte foi encontrado morto na banheira depois de ter bebido todo o champanhe e ter batido a cabeça numa quina e se afogado... Em seu velório muitas pessoas importantes, ninguém da família, nenhum amigo e as únicas lágrimas que se viam eram aquelas que caíam do céu, num dia fechado e fúnebre, sem emoção, próprio para enterrar alguém como o Senhor Eficiência...
Por João Luís de Almeida Machado
Membro de Academia Caçapavense de Letras
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