Esta história é a continuação do Km.140, que, por um lapso de
nossa parte, foi editada nesta data!
Estava sentado em frente da TV, pensando na continuação da historia km 140, e deu-me uma imensa tristeza, porque não conseguia me recordar de fatos que ocorreram quando fui receber o Ipanema que estava em Belo Horizonte ! Pudera, 67 anos não é moleza (e já se vão mais de vinte anos), minha memória falhava, e tenho certeza que, o que passei para dar conta de terminar o negocio que fizemos com Léo, não foi nada fácil, semelhante a um parto complicado, daqueles que o jumentinho não quer sair da barriga da mãe, e você vê que a “vaca vai pro brejo mesmo”!
Vem o pânico, a preocupação, você sente aquela sensação que ganhou, porém não leva, e eu tenho certeza que tive que usar toda astúcia, malandragem, e até mesmo a sacanagem, que existia dentro de mim, para dar conta do recado!
Tenho certeza que dei um golpe de mestre naqueles caras, pois, caso contrário, seria “garfado” por eles. E, infelizmente minha memória não ajuda mais, mas vai assim mesmo, vou buscar o que resta, vou ver se dou conta do recado, se não gostarem do conto, me perdoem.
Dou um conselho àqueles que um dia queiram escrever suas historias, que não façam como eu! Façam um diário ou alguma coisa semelhante, porque a idade vem e o “bicho pega” irmão, e vocês vão ficar igual a mim, “ruminando” tal qual boi velho para escrever alguma coisa! Como é triste a velhice, mano! Cuidem-se!
Vamos deixar de choradeiras afinal, aqui não é o Muro das Lamentações e sim um simples computador, por falar nisso já esta na hora de trocar esta “joça”, “sofro” com estas teclas, quando enrosca parece com meus dentes, na hora de extirpá-los, não sai mesmo! Nem que tussa!
De volta a Gurupi, depois de ter descansado uns dias daquele tormento todo, tratei logo de ir receber o avião agrícola! Fui conversar com Léo, para que ele me orientasse onde estaria a aeronave e quem iria entregá-lo:
“ - Sem problema Niltinho, e só você procurar meu advogado em Belo Horizonte , que o mesmo providenciará tudo para você, e aqui esta seu endereço! Qualquer novidade, liguem-me!
Quando ele falou, “meu advogado”, gelei, pois se tem um profissional que não vou com a cara é exatamente este, para mim, aquele que, para ganhar dinheiro, cria dificuldade para vender solução, vai pra lá, isto é um gavião disfarçado!
Já comecei a ficar preocupado. Peguei um avião em Goiânia e fui a Belo Horizonte e, lá chegando, fui direto ao aeroporto onde deveria estar o avião, estava curioso para ver a “bomba”!
Quando chequei lá e vi a aeronave, levei um susto! Pensei, Niltinho você é um trouxa mesmo, de acreditar em tudo que dizem! Olha só esta “carniça”! O que você vai fazer agora? Os três pneus arriados, todo sujo, com um aspecto de dar medo, parecia que ele não funcionava há anos, imaginava como estaria ali por dentro, talvez o motor já tivesse ido para o pau! Torcia para que uma boa revisada fizesse aquilo voar novamente, sei lá, estava difícil fazer uma avaliação naquele momento! Necessitava de um bom mecânico, para fazer um diagnóstico!
Após aquela decepção, fui visitar o advogado, que logo de cara, deu-me um chá de espera, e quando largou minha mão e sentou-se à mesa, com aquele olhar arrogante, as sobrancelhas arrebitadas para cima, dando um aspecto “magistral” para si mesmo, começou a falar. Pressenti logo, que lá vinha “bucha”.
“ - O senhor Léo já deve tê-lo informado que existe um débito, junto ao escritório que soma......
- Espera aqui Doutor, eu não tenho nada com isto, contas a pagar é com o Léo, eu só quero saber como está a documentação do avião, e se o senhor vai me entregá-lo ou não?” Cara, como falei grosso com aquele advogadozinho! Imagina se eu ia pagar conta do Léo?
“- Espere aí moço, vamos com calma, o avião tem uma hipoteca no Banco Rural, primeiro temos que resolver este probleminha!
- O que? Hipoteca? O avião esta hipotecado? Mais essa cara, te juro que eu não sabia, mais este pepino para descascar, meu Deus, não acaba nunca!” Estes gaúchos são ruins de negócios mesmo, pensei!
-Está hipotecado! Porém já deu entrada no banco para transferir a hipoteca para outro bem, do senhor Léo, só esta faltando umas assinaturas, para que eu conclua a negociação! Mas, primeiro tem que acertar meus honorários, caso contrário não entrego o avião!”
Naquele momento, sem querer ele havia me fornecido todo o “roteiro do filme”! (Que pena para ele!). Despedi-me prometendo ir a Gurupi e voltar logo, para pagar seus “honorários”, e levar o avião só, que, nunca mais voltei. Já tinha bolado um plano para dar um rasteira naquele cara de fuinha!
No outro dia, lá estava eu, na porta do Banco Rural, todo engravatado, sapato novo, uma pérola na lapela, estava impecável pois havia agendado encontro com um diretor do banco! E lá fui !
Conversa aqui, conversa acolá, fui me inteirando da situação, o “rolo” era terrível, se abusasse, dava a volta no quarteirão, e acabei caindo na mesa de outro advogado, (que raiva!), só que este, não queria minha grana e sim descascar o “abacaxi” que sobrou para o banco, daí começamos a nos entender.
“ - O Léo deixou faltando algumas coisas, para terminar nosso acordo de transferência de garantias, para que possamos liberar o avião porém, você tem idéia de como estes gaúchos são descansados, senhor Nilton? Ele não aparece por aqui há tempos!
- Sei sim, já os conheço há muito tempo!
- Se você se dispuser a andar atrás dele, coisa que o Banco não faz, prometo que logo, logo, você retira este avião daqui! É de interesse do Banco também, acabar logo com isto!” Cara, ali estava a fome com a vontade de comer, seria mamão com açúcar.
“ - Doutor, é o que mais desejo, afinal quase morri por isto, você não imagina o que passei, naquele fim de mundo!,Nadar e morrer na praia doutor, não faz o meu gênero! Só quero que me oriente, que a minha parte eu dou conta!”
E a conversa continuou até a boca da noite. De repente, parei de falar, e olhei bem em seus olhos, e disse:
“ - Estava pensando em tomar uma cerveja, chega de negócios, já está tarde mesmo, você não acha que é uma boa idéia, Doutor?” E dei aquele sorriso, precisava começar a botar aquele advogado na minha algibeira, se não, estava ferrado!
“ - Onde podemos molhar o bico, beber uma cerveja bem gelada, botar os olhos numas “quengas” (torci para que ele gostasse desta “fruta” também), que hoje é por minha conta, não aquento mais Doutor!” E comecei a dar aquela impressão de rico, de bacana, afinal todo mundo gosta do bacana, ainda mais quando ele é o pagador das contas, é muito agradável estar ao lado de um, você bebe, ri muito, o tempo passa que você nem vê, e o melhor, não gasta uma pila!
Como sei muito bem que é na mesa de um bar rodeado por mulheres bonitas, onde se começam os grandes negócios e também as grandes amizades, (que me desculpem as esposas, mas é verdade!), tratei logo de botar meu plano em ação, tinha que ficar amigo é daquele doutor, pois do outro, nem pensar!
Fomos para um barzinho “chick no úrtimo”, onde tudo mundo vai, após o expediente, afinal, não tem praia naquele lugar! E como tem desses barzinhos em BH, meu Deus do céu, para onde você olha vê um! Ali se mistura tudo, machão, boiolão, mulher de programa, mulher feia, mulher bonita, lésbica, fresco, gay, mentiroso, blefado, enfim, vira todo mundo irmão “da noite”!
Quando estão com um copo na mão e uns dez no bucho, então se emocionam, juram amizade eterna, trocam beijinho, aquilo vira uma “zona” no fim da noite, é uma graça, ver na madrugada, os homens se despedindo com beijinhos! Meu Deus! Aonde este mundo vai parar?
Teve uma hora, em que estava sentado, e escuto uma voz na minha orelha, sussurrando baixinho: “- Vamos fazer uma matiné, bonitão?
Tratei de olhar para os lados, para confirmar se era mesmo comigo, (estava assustado) pois, bonitão eu não era, e grandão muito menos! Olhei bem para a pessoa e vi que ela estava muito fora dos meus padrões, afinal com aquela boa vida de “solteiro papa anjo”, que estava acostumado no Pará, nunca que ia me enrolar com uma “balzaquiana” daquelas, ainda mais quando ela trocou “Mixê”, por “Matinê”! Deduzi que já era uma “cinquentona” mesmo. Matiné nós usamos,esta palavra, desde meus tempos de menino, quando queríamos convidar “alguma” para um relax e afinal, como eu ia saber, se sua cara tinha mais de uma tonelada de pasta!?
Tratei logo de sair dali, e fomos para outro boteco, e assim no final da noite, já fundo na “margaça”, tínhamos passado por uma dúzia pelo menos, cada um mais “inferninho” que o outro, e o engraçado que cada vez a gente ia abaixando o nível. Com vocês é assim também? Quando estão bebendo?
Parecia que, se continuasse assim, de degrau em degrau, iríamos topar com o “Belzebu” numa esquina daquelas. Quando resolvemos ir embora, na hora da despedida quase nos despedimos, eu e Doutor, como os mineiros, tão grande que já era nossa amizade!
No outro dia passei pelo banco para pegar a papelada, o nosso amigo estava com uma cara ruim, a bebida, já estava cobrando sua parte, tinha que pegar aquele monte de papel (não sei pra que tudo isto se existe um brinquedinho chamado de “trinta e oito” para solucionar as desavenças), levar para nosso amigo Leo assinar e então corri para o aeroporto, alegre, missão cumprida, meu coração batia devagar, meu compadre me esperando no aeroporto em Goiânia, ansioso para ver a papelada, enfim, ele não acreditava muito no sucesso da empreitada, enquanto subia os degraus para embarcar no jatão, ia pensando, “não é mole não,não é mole não, meu irmão”, esta vida de garimpeiro, vocês não acham?
Agora só faltava o Leo assinar aquela papelada, transferindo a garantia que estava encima do avião para sua fazenda, nos já poderíamos dizer que éramos donos do avião, fácil, é que não foi, afinal ter tomado um prejuízo enorme naquele garimpo blefado e perder mais um avião? Essa não!
Sinceramente estava com dó do gaucho, eu não podia fazer mais nada, não havia mais como “quiabar” do negócio, tudo estava bem amarrado, só restava engolir o caroço, e partir pra outra, e nada mais. E aí, ele assinou. Graças ao bom Deus. Aleluia irmão!
Voltei rapidamente para Belô, e La fui eu correndo para encontrar meu grande “amigo advogado”, e após ter entregue aquele monte de papel, não preciso nem dizer que foi outra noite na “margaça”. O cabra havia gostado da minha companhia, e lá fomos nós de novo.
Tudo assinado, reconhecido firma, e lá fui eu mexer no avião, não posso deixar de registrar aqui a raiva do advogado do Léo, quando soube que eu havia negociado diretamente com o banco, e tinha lhe dado um “olé”! Me caçou ate cansar, o “cabritinho” achou que estava lidando com um “zé mané” qualquer!
Deixei ele pra lá e fui conversar com uns mecânicos, só que não encontrei ninguém que entendesse bem do avião, agrícola, e tive que ir buscar em Goiânia o papa dos mecânicos, o Stoco! Esse cabra é bom, e foi logo me dizendo quando viu o avião:
“ - Niltinho, vende este avião aqui mesmo, onde ele está, não mexa com ele, que é a melhor coisa que você faz, você não tem cacife para tirar ele daqui, vão gastar os tubos e os conheço bem, não estão com esta bola toda! É o que aconselho, irmão! Sai dessa!”
Cara, ouvir isto de um mecânico que tem oficina de manutenção, ou é honesto demais ou esta com “treta”, não acham?
Geralmente confio nas pessoas, sou daqueles que quando deposito confiança vou fundo, só não confio muito é nas mulheres, tenho medo daquele “tal de chifre”, que elas colocam na gente, tão bem que, se abusar, você fica com ele por anos e não percebe. Acho que nunca iria acostumar com ele, mas, quanto ao resto, não estou nem ai, confio mesmo e assim, chegando em Goiânia, fui dar ao meu sócio, minha opinião de vender o Ipanema lá mesmo, não mexer mais com ele!
Ah, meu irmão aí é que vi a porca torcer o rabo. Nunca poderia imaginar que o maior “abacaxi” ainda estava por vir! Estava doido para encerrar aquela novela, que já tinha ido longe demais, parecendo novela da Globo, quando deparo com meu próprio compadre querendo me passar para trás! Irmão, que decepção!
Nunca poderia imaginar uma traição vinda da parte dele, cara, eu o adorava, por muitos anos vivemos juntos, voando juntos, tinha por ele o maior carinho, e parece que tudo isto não valia nada para ele!
A ganância falava mais alto e, por esta ansiedade de ganhar dinheiro, foi que a policia do Paraguai derrubou seu avião, dando cabo em sua vida.
Meu compadre já tinha seu planos feitos, e eu sem dúvida, não estava dentro deles, pois o cabra queria me passar uma “manta”, queria ficar com o avião e dar-me uma merréca, apesar de que tudo saiu da minha cabeça, de ter formado todo o ambiente para ganhar aquele avião, de ter arrumado mais de 100 horas para seu Cessna 210 voar na campanha política de um deputado, sem falar que arrisquei a vida, voando no garimpo e agora ele vinha com aquela história que não éramos sócios por iguais e que vinte por cento do avião, estariam muito bom para mim!
Virei uma onça, falei umas boas pra ele e avisei que iria vender o avião, fazendo o acerto de sua parte, sem quaisquer problemas!
A minha sorte, no entanto, era que, como tinha feito todos os negócios, simplesmente coloquei o avião só em meu nome. Não fiz de propósito, e sim com o objetivo de facilitar as coisas e isto foi a minha salvação! Vendi o Ipanema para o Negrão (Julio), entrando o PT-CZC, e o resto com prazo, que encarei sem problemas pois o Negrão tinha “bala na agulha”!
No dia que fui ver o CZC, foi paixão à primeira vista, só não gostei da pintura! O Negão havia vendido um avião para o Dodô, e recebido o CZC no negócio.
Dodô, naquela época, era o rei da cocada preta, fazia tanto ouro em seu garimpo no Pará, que era preciso um rastelo para juntar.
Gastou os tubos para deixar o CZC daquele jeito, ouro era o que não faltava mesmo e o meu compadre dizendo que ele era uma carniça!
Respondi-lhe que ficava com a carniça e ele, com os dólares que estavam com o Negrão e com uma perua Chevrolet zerada, de minha propriedade!
Moço, o cabra aceitou pois não tinha mais jeito. A caça já tinha ido pro brejo, porém saiu dizendo que ia me matar, imagine se brinco em serviço! Depois disto só o vi por duas vezes, a última quando fez seu último e fatídico vôo!
E foi assim que fiquei com o CZC só para mim, no melhor negócio de minha vida, pois ele garantiu-me, por muitos anos a sobrevivência, ajudou-me a criar minha família, deu-me muitas alegrias e, para falar a verdade, até me ensinou a voar, muitas vezes tolerando meus erros, dando-me oportunidade de sair das frias que entrava, sem nunca o machucar!
Neste momento estou chorando cara, não aguentei, veio um nó e travou minha garganta, me desculpem, só de pensar que ele está tão distante, as lagrimas rolaram, meu consolo é que o novo proprietário é gente boa, sabe dar valor, e vai tratar muito bem dele, tenho certeza disto! Este avião leva uma aura dentro dele que protege os seus proprietários! Todos que o possuíram me disseram a mesma coisa!
Voando pelo Brasil afora, conheci muitas pessoas maravilhosas, vi lindas paisagem na Amazônia, senti o gostinho em ser um “bandeirante”, só que hoje sou considerado um fora da lei, por ter contribuído para nosso desenvolvimento, que coisa estranha, gente igual a mim, tem hora que é herói, e tem hora que é vilão, vai entender este país?
Só não gostei de ver o descaso dos governos, em relação a Amazônia, o que faz dó! Na realidade eu acho que existem duas Amazônia, uma que é real, outra que é para “Inglês” ver, e o governo age como aquele gordão que tem uma barriga bem grande, e um “pipi” pequenininho, só que ele não o vê, sabe que existe, porque o toca, mas como não o enxerga não sabe lidar com ele,e assim vai vivendo na ilusão! A Amazônia para mim é a mesma coisa! É uma pena irmão.
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo
Um comentário:
Muito bonita o amor qu evoce tem na aviacao CMte Niltinho, principalmente no CZC, eu sei o que e isso, pois sou apaixonado no JCE. Muito boa a historia...
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