José Renato, como foi inicialmente chamado o futuro escritor e empreendedor Monteiro Lobato, sempre sonhou alto. E não apenas criava castelos de areia nas nuvens como se costuma dizer sobre aqueles que apenas sonham e que nunca realizam... Seu primeiro ato de rebeldia foi contra o próprio nome de batismo, em relação ao qual nunca criou empatia. Assim que teve oportunidade modificou-o substituindo o Renato que originalmente lhe foi atribuído pela família por Bento. E parecia que isso era apenas o prenúncio do quanto seria abençoado e do quanto iria abençoar seu país de origem a partir de sua vasta, riquíssima e original obra.
Trata-se de um grande orgulho para mim, que também sou valeparaibano, de Caçapava (e morador na vizinha e igualmente bela São José dos Campos), distante apenas 20 quilômetros de Taubaté, cidade de origem de Lobato, poder destacar sua reconhecida genialidade. Dizem muitos de seus principais estudiosos, com a razão que lhes têm sido atribuída pelo tempo e pela releitura e estudo dos passos de José Bento Monteiro Lobato, que se esse ilustre cidadão taubateano fosse inglês, francês ou norte-americano estaria sendo comparado aos gigantes da literatura daqueles países como Shakespeare, Mark Twain, Charles Dickens ou Victor Hugo.
Faço nessa breve introdução um adendo a esse pensamento ao destacar que o brasileiríssimo Lobato, diferentemente de seus pares da literatura, tanto em nível nacional quanto internacional, não concentrou suas energias apenas em seus escritos... O escritor também atuou como empreendedor em ramos tão díspares como a busca de energias alternativas, a produção agrícola, a criação de grupos editoriais e a atuação como adido comercial brasileiro do governo de Washington Luís em Nova Iorque.
Se não bastasse isso, ainda procurou criar espaço e ajudou a lançar no mercado editorial brasileiro alguns escritores que iriam ganhar grande destaque pela qualidade de seus textos e de suas idéias como Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade (criando ainda espaço para que artistas de outras áreas culturais, como a pintora Anita Malfati, pudessem ilustrar as obras de suas editoras).
Todo esse vigor trouxe a ele não apenas o sucesso e as glórias que almejava em suas diferentes empreitadas. Alguns de seus negócios deram como os “burros n’água” e o deixaram com uma “mão na frente e a outra atrás” ou, em determinados casos piores, com dívidas. Seu talento como escritor, especialmente a partir do surgimento de suas obras destinadas ao público infantil, em particular a série de livros sobre o Sítio do Pica-Pau Amarelo, permitiram que ele conseguisse se recuperar e superar essas adversidades passageiras.
Nenhum dos problemas relativos aos seus sonhos e realizações foi capaz de lhe furtar o fôlego e fazê-lo desistir de novos projetos. A partir de determinado momento de sua carreira, Lobato conscientizou-se que se era difícil “fazer a cabeça” dos adultos e mobilizá-los em favor da cultura, da educação, das artes (e, ressalte-se ainda que o escritor era um confesso admirador e um talentoso praticante da pintura) e do progresso industrial e tecnológico que acreditava serem essenciais para o futuro do Brasil, deveria então destinar-se as crianças que representavam a possibilidade de um amanhã mais próximo de suas aspirações.
Isso não impediu ou limitou sua atuação política e empenho em favor de empreendimentos que levassem ou vislumbrassem um futuro para seu país assemelhado ao dos Estados Unidos, onde viveu durante algum tempo. Se suas energias continuavam disponíveis mesmo com o passar dos anos, a disposição das novas camadas dirigentes da política brasileira em aceitar sua contundente e popular figura a confrontar-lhes não parecia mais existir.
A impaciência e a intolerância desses políticos, e de grupos de interesse econômicos a eles associados, contrariados pelas idéias de Lobato começariam a mostrar suas garras principalmente durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, quando o escritor seria preso e suas obras consideradas subversivas, aquelas destinadas ao público adulto e, pasmem, até mesmo as produções para as crianças.
Os anos 1940 confirmaram e referendaram o nome de Lobato como um dos maiores expoentes da cultura nacional. No entanto, combalido pelas batalhas que havia travado (e que continuaram até o final do governo Vargas em 1945, cabendo ao escritor o papel de uma das poucas vozes da cultura nacional que se mostravam claramente dissonantes em relação à política do Estado Novo) e por questões pessoais (como o falecimento de seu filho Edgar em 1941), Lobato passou por problemas de saúde e acabou falecendo em 1948.
Para Refletir
Sinto falta da vibração, da energia pulsante e dos sonhos de Monteiro Lobato no Brasil de hoje. Falta-nos o idealismo, a coragem, o caráter e a idoneidade de personalidades como o escritor para que possamos superar o marasmo, movimentar o cenário nacional e mundial, estabelecer novos padrões culturais e, principalmente, realizar um futuro mais promissor e justo, menos egoísta e centrado em desejos pessoais e no materialismo.
Pensamos muito em benefício próprio. Aspiramos pouco em relação ao coletivo. Queremos atingir o sucesso em nossas carreiras e por isso não nos atrevemos a valorizar a produção alheia. O Lobato editor criou caminhos para jovens escritores em ascensão. Seu lado empreendedor por sua vez pensava e articulava projetos para a nação. O escritor devotado as crianças pensava na consciência das gerações futuras...
Quantos entre nós realmente consegue pensar um pouco além do próprio umbigo, como dizem popularmente? A propagação dos ideais de realização pessoal e de consumo está aos poucos nos condenando não apenas como indivíduos, a partir de nossas consciências (quando ainda existem e resolvem dar as caras...), mas até mesmo como espécie. A ânsia pelo lucro desenfreado destrói o meio-ambiente, o efeito estufa cresce, o calor derrete as geleiras e mata aos poucos e silenciosamente diversas plantas e animais... Não está longe o dia em que pereceremos nós...
Fale. Escreva. Manifeste suas opiniões. Articule-se. Aja em prol de causas nobres e justas. Não pense apenas nos lucros ou dividendos de seu trabalho e de suas ações. Não atue pensando em holofotes, fama e reconhecimento. Qualquer benefício pessoal é apenas conseqüência de uma valorização que não deve ser um fim, mas que é somente o merecido cumprimento e saudação de outros pelo trabalho digno, justo e bem realizado por um em prol de todos...
Lobato é inspiração. Homem de origens interioranas. Que ousou ser escritor, fazendeiro, pintor, fotógrafo, editor, funcionário público no exterior, industrial,... Sem perder a dignidade em nenhum momento. Sempre acreditando em seus princípios e defendendo seus ideais.
Obs. Estive no último final de semana em Monteiro Lobato, cidade paulista localizada no Vale do Paraíba, com bela vista para a Serra da Mantiqueira e visitei com minha família o Sítio do Pica-Pau Amarelo, propriedade herdada por Monteiro Lobato na década de 1910 e local onde o escritor produziu suas obras iniciais, como Urupês, Jeca Tatu e Histórias sobre o Saci-Pererê e, certamente, local em que brotaram as ideias para seus clássicos com Emília, Visconde, Dona Benta, Narizinho, Pedrinho, Nastácia e companhia. Um passeio imperdível!
Prof. Dr. João Luís de Almeida Machado
Membro da Academia Caçapavense de Letras
Um comentário:
Se não me engano é de Monteiro Lobato o velho adágio " Ou o Brasil acaba com a saúva , ou a saúva acaba com o Brasil". Frase que cabe como uma luva na atual políca nacional depois que inventaram os aloprados, sangue ssugas e outras milongas mais criadas pelo pt. "Ou o povo acaba com a petezada, ou a petezada acaba com a política nacional" Pobres brasilis.
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