Taiadablog: Narciso às avessas !!!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Narciso às avessas !!!


Diante do prato ele hesitou. Não sabia ao certo se devia atirar-se a todas aquelas delícias que escolhera ao longo do trajeto daquele renomado restaurante por quilo. Sentia que o peso batia em seus ombros (e na cintura, pernas, braços...). Já fora magro, daqueles que as pessoas dizem que o pijama de listras tem apenas uma listra ou então que é satirizado pelos colegas que dizem que quando está de frente parece estar de lado e que quando está de lado parece não estar mais presente...

Hoje, tendo avançado alguns anos no tempo, sedentário e trabalhando num escritório público há anos, acomodado em tudo o que se referia a sua vida, deixara de lado as preocupações com seu estado atlético. E o pior, quando chegava em casa, assaltava a geladeira descaradamente em busca de tudo aquilo que os nutricionistas condenam. 

Tentou fazer dietas, exercícios e terapias para controlar o apetite. Parecia viver um pesadelo pois quanto mais comia, maior era a sua vontade de aumentar o volume de calorias ingeridas. Estava tão pesado que sua esposa não aguentou o seu desleixo e a falta de paixão por ela e o largou. Os sonhos de uma família com filhos tinham ido por água abaixo já que a obesidade matara seu interesse sexual pela esposa e aos poucos minara também a sua capacidade de procriar (ele não sabia se isso era fato, mas um conhecido disse que obesidade causava impotência e diminuía a possibilidade de ter filhos, segundo escutara num programa de televisão).

Televisão era, por sinal, a melhor amiga dele. Passava as horas de lazer estirado no sofá a assistir todo o tipo de programa: dos noticiários as novelas, dos filmes aos seriados, dos programas de auditório aos desenhos animados. Alguns amigos e conhecidos diziam que ele devia trocar a TV pela internet, mas ele tinha preguiça de digitar e pouco interesse em aprender a mexer com as tais redes sociais. Usava computador no serviço, mas era para ele somente uma obrigação profissional.

Naquele momento, no entanto, diante do prato e de um espelho que se encontrava a sua frente e que lhe permitia ver um rotundo cidadão - além das lembranças desagradáveis de momentos em que tentara se sentar em locais públicos e ocupara dois assentos ou de como não aguentava mais correr atrás dos moleques que o ofendiam e satirizavam justamente por estar acima (e muito) dos quilos centenários - ele estava se dando conta do peso (literalmente falando) de tudo aquilo para ele em sua vida...

Mas, o que fazer? Nem mesmo os médicos e nutricionistas que procurara foram capazes de demovê-lo de sua saga alimentícia e levá-lo a mudança de hábitos... O que ele, por si só, poderia fazer?

Cirurgia de estômago passou por sua mente rapidamente. Seria certamente o jeito mais rápido de resolver o problema, pensou. Internação em Spa, radical mesmo, daqueles em que durante 30 dias o paciente se alimenta somente de folhas de alface para desintoxicar e emagrecer na marra. Contratar um personal trainer para malhar todos os dias e fechar a boca era outra opção. De qualquer modo, sentia que não tinha mais escolha, sua imagem refletida no espelho o atingia como um Narciso às avessas, ou seja, causava-lhe repulsa e ódio por estar daquele jeito.

Num gesto sofrido afastou o prato de seu raio de visão. Negou-se o prazer e torturou-se como nunca pensara ser capaz de fazer. Saiu da mesa sem ter dado nem mesmo uma única garfada nos alimentos. Seus colegas de trabalho, acostumados a sua voracidade, ficaram estupefatos e lhe perguntaram se estava doente. Alguns ao saberem que não foram adiante nos questionamentos. Quando disse que precisava controlar o apetite e emagrecer gerou alguns risos e gracejos, mas de alguns, recebeu tímidas palmas.

Todo mundo sentia que aquele homem teria pouco tempo de vida se continuasse a comer como assim fazia em seu cotidiano. 

Voltou ao trabalho e sofreu com o espectro da fome a rondar-lhe a tarde. Para resistir se permitiu água e poucos biscoitos de água e sal (que normalmente abominava, mas que naquele momento lhe pareceram deliciosos). Ao final do expediente resolveu que devia voltar a pé para seu apartamento. Eram somente 4 quarteirões e ele achava que isso podia ajudar, além de lhe dar um tempo para pensar em como sair da enrascada em que se metera.

Seu ímpeto para emagrecer permaneceu em sua cabeça durante as semanas que se seguiram, mas não conseguia se decidir se iria para um Spa, se fazia a cirurgia ou ainda se apelava para alguma academia ou dieta. Ainda assim estava se segurando como podia. Por conta própria abandonara refrigerantes, doces e frituras, além disso, ao invés de ficar sentado diante da televisão por horas resolvera que em seu tempo livre devia visitar alguns amigos e parentes afim de buscar aconselhamento e dicas para emagrecer.

Visitou tio Horácio, tia Bete, os primos Luís e Marília, esteve na casa do Zé, grande amigo de outrora, foi também ao encontro da Sônia e do Francisco, enfim, saiu da toca. Para estas visitas todas e muitas mais preferiu caminhar. Matava saudades e, ao mesmo, tempo, ouvia de todos várias dicas ou recomendações para que viesse a emagrecer.

Ao final do primeiro mês desse jejum involuntário ou de seu controle alimentar sem muita frescura, somente fechando a boca, e das caminhadas para lá e acolá, que além das visitas começaram a incluir as idas ao supermercado, a bancos e a qualquer lugar que tivesse que ir, inclusive ao trabalho, percebeu que algumas de suas roupas já estavam ficando um pouco largas... Adicionou as caminhadas o hábito de subir pelas escadas até o apartamento em que morava. Eram só 3 andares, mas em seu vai e vem, isso se multiplicava algumas vezes ao longo do dia.

Passados 6 meses desta sua trajetória, quando parecia estar se decidindo a não fazer a cirurgia e alimentando-se de forma espartana - com consumo regular de verduras, legumes, frutas, carnes magras e bebendo água várias vezes ao longo do dia - ele pensou que talvez a solução fosse mesmo o Spa. Nesse momento, no mesmo restaurante onde se decidira a mudar o rumo de sua vida, sentado naquele mesmíssimo lugar, levantou a cabeça e olhou diretamente para o espelho diante de seu rosto... O gordo de 6 meses atrás já não estava mais ali... Sem se dar conta, perdera cerca de 30 quilos e já parecia outro homem... Naquele mesmo momento, ainda de olho no espelho, viu que a Carol, que ele achava belíssima, olhava fixamente para ele, admirando o novo homem que ali surgia...

Prof. Dr. João Luís de Almeida Machado
Membro da Academia Caçapavense de Letras

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