Taiadablog: Os trotes!!!

terça-feira, 21 de junho de 2011

Os trotes!!!

Houve um tempo em que os trotes eram comuns para os calouros da aviação.  Os tripulantes em seus primeiros voos de instrução já estavam prevenidos quanto a eles, mas era inevitável que caíssem nas pegadinhas que os veteranos aprontavam.  Os comissários e principalmente as comissárias, eram alvo fácil e em muitas das brincadeiras, com exceção da vítima, todos os demais tripulantes estavam mancomunados.
  
Havia um trote clássico onde um dos comissários, geralmente o chefe de equipe, besuntava o interfone de manteiga e ligava de uma galley à outra para que o incauto atendesse.  Brincadeira inocente, que as comissárias com suas maquiagens odiavam!     

Durante o voo de cruzeiro o copiloto ficava batendo na lateral direita da cabine próximo à janela e estas batidas reverberavam na galley dianteira, onde o chefe de equipe chamava o comissário novinho para ouvir aquele barulho.  Logo eles “concluíam” que as batidas vinham do porão de carga, bem abaixo do piso, e iam à cabine de comando levar o caso ao comandante. Só podia ser alguém do carregamento que ficara preso no porão!
  

O novinho, ou a novinha, era instruído a periodicamente bater forte no piso para que o suposto homem preso no porão se mantivesse ativo e esperançoso de não congelar durante o voo. Próximo ao pouso uma nova instrução era dada à vítima do trote: preparar um café bem quente e separar uma manta para no momento do desembarque, assim que a porta fosse aberta, levar imediatamente ao coitado que devia estar morrendo de frio. Era hilariante ver a comissária correndo para o porão de carga levando café quente e manta!
    
Havia um comandante que era mestre em aplicar trotes. Se o voo fosse noturno e houvesse algum comissário em instrução, ele aplicava o truque do “piloto sumiu”.  Com a iluminação da cabine de comando reduzida e com o auxílio de uma manta, ele e o copiloto se encolhiam ao lado dos seus respectivos assentos sobre uma caixa de manuais.

Neste momento o chefe de equipe pedia ao comissário em instrução para ir à cabine de comando ver se os pilotos estavam precisando de algo. Alguns, apesar do susto inicial, logo percebiam a farsa, mas outros realmente acreditavam que os pilotos não estavam na cabine, e é claro que o chefe de equipe “dava corda” e esticava a brincadeira até onde fosse possível. Ok, ambos os pilotos se esconderem ao lado dos seus assentos com o avião em voo de cruzeiro não é nada recomendável.

Este mesmo comandante também gostava de estar no destino para receber seu próprio voo no momento do desembarque! Chegando a aeroportos menos movimentados;  Macapá, por exemplo, assim que ele estacionava a aeronave e desligava os motores, preparava uma surpresa para os comissários. Rapidamente abria a janela da cabine de comando e, com o auxílio de uma corda, a emergency escape rope (um equipamento para usar em caso de necessidade de uma evacuação dos pilotos pelas janelas), ele descia e aguardava os comissários abrirem a porta para o desembarque.  Era sempre um susto!

Outra pegadinha muito popular que eu e vários outros comandantes gostávamos era fazer com que a comissária acreditasse que estava taxiando o avião. Antigamente era muito comum um dos comissários acompanhar o pouso na cabine de comando, e aí era a chance de aplicar a pegadinha. 

O taxi do avião é feito pelo comandante, que atua com a mão esquerda um pequeno volante. Este volante fica fora da visão de alguém que esteja sentado no “jump seat” da cabine, no caso a comissária em instrução. No console central dos aviões, há o estabilizador lateral que é uma rodinha com marcações numéricas.  Para o comissário em instrução, entrando na empresa com 20 anos de idade e se deparando com uma novidade atrás da outra, qualquer coisa que os pilotos ou o instrutor digam é entendido como uma verdade absoluta! Então ao abandonar a pista dizíamos ao comissário que ele, ou ela, iria taxiar o avião.
Era só instruir a comissária a girar a rodinha, o estabilizador lateral,  para um lado ou outro que o avião seguiria naquela direção. Enquanto a vítima do trote comandava o suposto taxi do avião, o comandante com a mão esquerda era quem de fato estava controlando a situação. Alguns “taxiavam” com bastante tranquilidade, outros ficavam bastante aflitos e chegavam a suar durante a manobra, principalmente quando o comandante efetuava pequenos “erros” na trajetória enquanto o copiloto alertava para a necessidade urgente de corrigir a direção. E não era só isso! No 737-200 há uma haste que dizíamos que era o freio, bastando movimentá-la verticalmente. Era muito engraçado ver a comissária aflita, nervosa e no final orgulhosa de ter ela própria taxiado o avião.

Este tipo de brincadeira é cada vez mais raro na aviação comercial. Os comissários não podem pousar na cabine, devem estar em suas posições, o que é corretíssimo. A lista de trotes é extensa, ainda mais se considerarmos as pegadinhas que eram feitas durante os pernoites.
    
Não acho que éramos menos profissionais no passado, mas a verdade é que hoje em dia a busca por este tal profissionalismo tornou o trabalho mais “amarrado”, menos descontraído e mais preso às regras e procedimentos. Hoje, o máximo do trote é “prender” o comissário novinho no corredor do avião, com o auxílio de dois carrinhos de alimentos,neste momento o chefe de equipe ou o comandante efetua um anúncio aos passageiros dizendo, por exemplo, que o comissário fulano de tal vai ser pai de trigêmeos. Ou dizer que a comissária que está no corredor vai se casar no dia seguinte. Os passageiros aplaudem e a vítima fica sem graça.


Nada que se compare às brincadeiras do passado! 

Comandante Beto Carvalho
é piloto dos grandes jatos  

Um comentário:

Niltinho Piloto disse...

É comandante Beto, já estava sentindo falta das suas historias, sinceramente eu não imaginava que havia um clima "descontraido" entre os pilotos e os comissarios Para mim foi surpresa.