Dizer não é muitas vezes uma dolorosa iniciativa. Sempre queremos afagar, conceder, permitir ou ainda agradar ao articular nossa resposta na direção de um sim. Em especial quando as respostas que estamos dando referem-se a escolhas e pedidos de nossos próprios filhos.
Isso se deve, segundo muitos especialistas, ao próprio fato de estarmos vivendo sob a ditadura do relógio, que nos obriga a passar mais tempo fora de casa, distante de nossos rebentos e, consequentemente, pesarosos por não poder dar a eles toda a atenção e carinho que deveríamos.
Como conseqüência dessa situação tentamos apaziguar nossa relação com as crianças ou adolescentes liberalizando nossos laços, sendo mais permissivos, concordando com tudo o que é demandado ou pedido e dando-lhes cada vez mais e mais o que nos pedem.
Estamos errando enquanto pais e mães ao tentar substituir o que deve se constituir naturalmente enquanto afeto, carinho, compreensão e participação na vida de nossos filhos por benesses materiais e permissividade além da conta.
E o pior de tudo é que, apesar de alertados tantas vezes por outras pessoas da família, através da mídia, pela palavra de especialistas, continuamos semeando o surgimento de novas gerações que se sentem como autênticos reis e rainhas, cujas necessidades devem ser atendidas caso contrário cabeças podem rolar.
Já fomos avisados inúmeras vezes quanto ao fato de que o mundo real não é assim. Sabemos por experiência própria que devemos obedecer a leis, códigos de conduta, diretrizes dos locais onde trabalhamos, normas éticas que regem as relações humanas e, até mesmo, um certo bom senso para que possamos viver de forma correta e harmoniosa com o grupo social no qual estamos inseridos.
Constata-se atualmente, que até mesmo as escolas, local onde se deveria atuar no sentido de definir socialmente as relações humanas e suas diretrizes entre as crianças padecem com os males da desorientação proveniente das famílias.
Na rede pública a permissividade leva a depredação de salas de aula, a destruição de equipamentos, a pichação das paredes e até mesmo a intimidação dos professores no exercício de sua profissão. O respeito foi trocado pela lei da selva.
Nas escolas particulares tanto pais quanto alunos demandam atitudes que lhes sejam convenientes mesmo que isso seja considerado incorreto ou inadequado pelos especialistas em educação contratados para educar sua prole ou ainda que as normas de funcionamento das escolas, apresentadas nos primeiros dias de aula, tenham esclarecido limites e regras gerais de funcionamento das referidas instituições de ensino.
Há pouco tempo um aluno se negou a realizar as atividades que estavam sendo pedidas pela professora. Não satisfeito com isso respondeu agressivamente aos pedidos e considerações de sua tutora. Encaminhado para a direção, foi atendido pela orientadora educacional e recebeu uma advertência.
No dia seguinte seu pai foi à escola e esbravejou contra qualquer argumento da direção, negou-se a assinar a advertência encaminhada a ele, disse a todos que considerava correta a atitude do filho e ainda ameaçou tanto a diretora quanto a orientadora de processo judicial... O que mais podemos dizer?
Não estamos nos referindo a casos isolados. Essas situações repetem-se no cotidiano das escolas com enorme freqüência. O uso de telefones celulares, por exemplo, é outro dilema enfrentado nas escolas brasileiras, principalmente nas particulares, mas também em redes públicas.
A utilização desses aparelhos é terminantemente impossível de admitir em sala de aula. Há escolas que defendem a idéia de que até mesmo fora das aulas, nos intervalos, deve-se proibir as ligações por celular. Alegam que há estudantes que não largam seus aparelhos e que, em decorrência disso, não socializam com os colegas da escola.
Existem pais que não entendem essas diretrizes das escolas e que bradam contra proibições como as que se aplicam ao uso do celular. Alegam que o celular pode e deve ser utilizado pelos filhos a qualquer momento, até mesmo durante as aulas. São pessoas como essas que certamente não desligam seus aparelhos no cinema, teatro ou em reuniões de trabalho...
Dizer não pode até ser doloroso e desagradável, no entanto, a educação de nossas crianças e adolescentes passa necessariamente por medidas afirmativas e também pelas negações. Para que possamos realmente educar e, em contrapartida, para que nossos estudantes consigam aprender, é necessário tanto o acerto quanto o erro. O sim e o não têm que ocupar seu espaço no contexto escolar justamente para que se efetive o pleno processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido é importante que as escolas sejam coerentes em suas posições e diretrizes. Não é possível que as coordenadas dos orientadores educacionais ou dos coordenadores pedagógicos sejam invalidadas pela direção a partir da pressão dos pais.
Nem mesmo os recursos contrários às avaliações finais das escolas que reprovam alunos devem ser acatados sem que ocorra por parte dos educadores de uma unidade educacional a resistência e a combatividade necessárias.
Digo isso porque há muitos pais que não respeitam o trabalho sério, zeloso e dedicado de profissionais que muitas vezes, durante todo o ano, chamaram a atenção das famílias quanto aos resultados pífios e insatisfatórios de seus filhos e se utilizaram do artifício de recorrer as secretarias de ensino para anular todo o ano de trabalho escolar e invalidar avaliações realizadas ao longo de todo o processo de ensino-aprendizagem.
Essas crianças ou adolescentes acabam passando na marra. Galgam os degraus da escolarização a duras penas. Saem da escola com sérias deficiências em matemática, português, ciências ou geografia. Apesar disso, seus pais se sentem orgulhosos porque peitaram os educadores, atropelaram suas considerações e impuseram sua vontade atendendo aos desígnios de seus filhos...
Talvez seja necessário levar os pais de volta às escolas para ensinar-lhes que nem tudo o que desejamos para nossas vidas é o que realmente pode, deve ou vai acontecer. Uma aprovação conseguida a fórceps pode trazer problemas sérios para esses estudantes quando forem concorrer por vagas no mercado de trabalho. Afinal de contas quem se arriscaria a contratar pessoas que falam errado, não sabem fazer cálculos matemáticos, desconhecem a conjuntura histórico-social em que vivem, não dominam idiomas estrangeiros...
Por isso, mesmo sabendo que uma negação poderá acarretar reclamações, queixas, ameaças ou processos, a escola e seus dirigentes têm que se posicionar de forma profissional, coerente, franca e sincera quanto às medidas que tomar. Se isso se tornar uma constante, é até possível que as lições revertam positivamente não apenas para os estudantes, mas também para os pais...
Prof. Dr. João Luiz de Almeida Machado
é articulista e membro da Academia Caçapavense de Letras
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