Taiadablog: Comandante Niltinho: O Chá do Santo Daime !!!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Comandante Niltinho: O Chá do Santo Daime !!!

Quando voava em Rondônia, precisamente na cidade de Machadinho do Oeste, conheci um rapaz que pertencia a uma seita, que chamavam do Santo Daime, da qual nunca havia ouvido falar, e ele não cansava de convidar-me para que fosse numa secção, e toda vez eu descartava o convite, afinal de religião eu andava cheio, pois havia passado muitos e muitos anos internado em colégio de padre!

O que queria mais? Rezei por toda a minha vida, assisti milhares de missas, participei de montes de novenas!

Havia saído disto, todo intoxicado de religião, ainda não sei quantos anos foram precisos para que voltasse ao normal, aqueles padres Salesianos quase que acabaram comigo, de tanto rezar!

Rezava ao levantar, rezava ao dormir, ao ir tomar café, no almoçar, no jantar, enfim não fazíamos nada sem antes rezar! Uma loucura fazer isto com uma criança de apenas oito anos de idade, que foi a idade com a qual entrei no seminário! 

E agora, havia conhecido uma pessoa que não me deixava em paz, queria por tudo, que pertencesse a sua seita, e eu escorregando para todos os lados, marcava que ia mas não ia, e lá vinha ele com aquele sermão de sempre!


“ - Comandante, você está perdendo, ao se negar em encontrar a paz, meu irmão, a paz!  Noto que você esta tenso, infeliz, (estava mesmo era com falta de mulheres, isto sim!), deixa eu te ajudar cara, olha, você não vai me escapar esta semana! E falando nisso, quero que você vá comigo buscar no mato, o cipó, e as folhas, pois preciso da sua camionete.
- Tudo bem, na sexta feira nós vamos ao mato buscar estas coisas, conte comigo!” falei aquilo mais para me ver se ficava livre daquele compromisso pois, talvez, tivesse que ir ao garimpo e não daria tempo de eu chegar e assim ficaria livre daquele trato, e não magoaria o meu amigo.
Na realidade, não estava gostando mesmo era da idéia de beber aquele chá! Ir até lá, tudo bem! O problema era encarar o chá, esta era a questão! Estava com medo, já  me  haviam dito que aquela erva  era alucinógena, imaginem se aquilo me desse um  “piripaque”  e eu começasse a ver minha ex-esposa, minha ex-sogra, meus credores,  aí irmãos, iria pirar de vez!.
E o pior que já estava ficando curioso com as historias que meu amigo contava, todas muito engraçadas, pois diziam que, após beber uma talagada do chá, ele embarcava numa viagem maravilhosa, onde via milhares de mulheres bonitas, com aquele corpão de fazer inveja, todas ao seu lado, dando a maior atenção em tudo que ele falava, uma mais bonitas que a outra, e o bonitão escolhia uma, e saia dançando uma valsa, rodopiando mais que pião, ele trajado com aquela farda dos tempos de Napoleão, cheio de medalhas, sentindo-se o mais lindo dos homens. 
E as mulheres, com aqueles vestidos compridos, todo rendado, com os cabelos engomados, pareciam princesa, e ele, sentindo se um príncipe encantado, de tempos em tempos trocava de mulher e saia dando umas “bicóquinhas” (beijinhos)! O ruim era que, quando o babaca saía do transe, via que aquele bando de mulheres formosas havia desaparecido, e restado apenas a sua!
E aquilo dava-lhe uma tristeza, à ponto de desejar a morte! No entanto, ia levando aquela vida de sonhos e da triste realidade, numa marra danada. Só não sabia se ele ia levando a vida ou era o chá que o ia levando!
Não é que acabei voltando do garimpo cedo e acabamos nos embrenhando pela mata, para pegar as folhas de Chacrona e encontrar o cipó certo, que seriam misturados depois para fazerem o bendito chá, e no caminho ele ia me enchendo de mais historias maravilhosas!
O estranho é que não existia em suas visões, nada de religião, de decência e sim uma visão onde só apareciam seus desejos pecaminosos, suas ilusões pervertidas, que viviam no fundo de sua alma, enfim tudo aquilo que, em seu estado normal ele repelia!
Aquilo vinha com tamanha força em suas visões, que ele acabava se entregando àquele prazer cheio de pecado!
Tais histórias cada vez mais, me surpreendiam afinal, será que aconteceria o mesmo comigo se tomasse aquele chá?  Será que iria ter aquelas visões também?  E se as tivesse, poderia também ficar igual ao meu companheiro, que não queria jamais se afastar dali pois, junto de seus companheiros de ideologia, alcançava o verdadeiro paraíso?
Imaginem vocês, tudo isto acontecendo, num lugarzinho perdido no meio da Amazônia, que não tinha nada de atrativo, a não ser a facilidade de se encontrar na floresta o material para o preparo da bebida! Conclui que nunca iria provar daquele chá!
“ - Meu irmão, nunca digas que desta água não beberás, pois pode se arrepender!
Estava num boteco, tomando uma cerveja com um piloto amigo, quando ele apareceu.
“ - Como vai, meu comandante?
- Bem obrigado, meu algoz! Ele riu da brincadeira, e disse:
- Hoje vamos ter um encontro em nossa sede, e vai ser servido o chá, portanto é uma reunião muito importante, e quero a sua presença! Deu-me um tapinha nas costas e saiu sorrindo!”
Senti que estava prestes a entrar numa fria, pois não tinha certeza que ele  estava dizendo a verdade, não o conhecia o suficiente para confiar plenamente, imaginem se ele estivesse contando-me tudo aquilo, somente para aguçar a imaginação, abrindo caminho para que eu tomasse o chá?  Ou então, estaria falando a verdade, infelizmente nunca vou saber, porque após aquele encontro, cortei minhas relações com ele e logo, parti de Machadinho do Oeste também!
“ - Niltinho, você vai?
- Não sei não, estou com medo de me dar mal, fiquei sabendo que as reações não são as mesmas para todo mundo, porém, se você for comigo, vou experimentar esta droga afinal já experimentei a maconha uma vez, porque não posso experimentar esta, não é?  Só que você me prometa não beber o chá, pois acho que vou precisar de você bom, para guiar a minha camionete,  promete?
- Prometo Niltinho, e fique frio, que não deixo você fazer besteira nenhuma!
- Combinado então, às oito horas passo em sua casa e iremos!”
Quando chegamos ao local, assustei-me com o elevado número de pessoas presentes, jovens, adultos, velhos, crianças, num recinto com um grande salão, onde havia uma porção de cadeiras formando um semi-circulo e na ponta havia uma cadeira que lembrava um trono, pois ficava num plano mais alto que as demais! Pensei comigo “ali deve sentar o Mestre!”
Engraçado que em todas as religiões sempre há o Mestre, que é quem dita as regras, é aquele em que você deve dedicar toda a sua atenção, respeitá-lo, e de preferência seguir tudo aquilo que ele disser, sem contradizê-lo! Ele tudo sabe e você é apenas um simples mortal que, se você for bonzinho, terá um cantinho no Céu ao lado dele! É assim que você deve se comportar, sempre dizendo amém!
Existia também uma grande cozinha, onde certamente preparavam o Chá, através de um ritual cuja participação era reservada aos mais crédulos! Eu nunca estaria pronto, e nem que se passassem uns duzentos anos, não seria digno de participar! Reconheço que estou muito longe para tentar chegar perto de Deus, reconheço que preciso melhorar muito como ser humano e engraçado que vejo muitos malandros por aí, em situação inversa à minha que, por estarem com uma bíblia debaixo do braço, acham que seu lugarzinho ao lado do criador já esta garantido! Meu Deus, que doce engano!
No meio daquele povo sentia-me um estranho no ninho pois, engraçado, desde que sai do Seminário, sinto-me mal dentro de uma igreja, aquela aglomeração de gente acaba trazendo-me recordações estranhas! E, naquele momento, estava sentindo estas mesmas sensações! Gostei de ouvir a preleção que daquele mestre, sentado ao trono! Eram palavras confortantes, fala mansa  voz aveludada, enfim foi nos preparando para receber o Chá.
Até ali tudo bem, mas, quando foi servido o chá, aí meus amigos a coisa ficou feia, na primeira talagada, foi como eu tivesse levado um soco na boca do estomago: TUM e aquele gosto estranho foi tomando conta da minha garganta, a cabeça começou a girar, olhei para cima e vi o garçon sério, olhando para mim, querendo dizer “agora não é mais hora de se arrepender seu moço” e ficou ali esperando! Parecia que estava me vigiando, forçando-me a tomar até o último gole, o que seria um sufoco, pois acredito que nesta hora, já estava com os meus olhos girando, botando fogo pelas ventas! Aí pensei: “Niltinho, você não vai aguentar esta barra, trate de sair daqui porque a cobra vai fumar!” Só que, quando fiz menção de levantar, as sobrancelhas do mestre mandaram-me sentar imediatamente e aí, quase fiquei paralítico, não conseguia mover mais nada, a reação do chá havia começado, parecia uma sucuri enrolando a sua presa!
Lembrei então, das histórias de meu amigo e esperei pelo aparecimento daquelas mulheres maravilhosas, boazudas, que tanto falava, só que não acontecia nada, somente nuvens pretas  passavam pela minha mente, parecia que estava voando por instrumentos na maior chuva de minha vida! E a coisa foi ficando feia, senti um arrepio que começou nos fios de meus cabelos e foi terminar no dedão do pé!
É agora, comandante pensei,  você vai ter que ser durão! Vai ter que aguentar essa parada, esse chá não vai ser moleza não, afinal não foi você mesmo quem quis bebê-lo? Agora aquente!
Eu gostava de falar comigo mesmo, fazia isto sempre que estava em situações difíceis quando voava e dava resultado, ajudava me acalmar! Na minha mente voltaram somente as coisas mais desagradáveis que já havia esquecido há muito tempo, como a perda de meu pai, a perda do meu outro avião, que eu havia jogado dentro do rio Araguaia bestamente, e aquele rosário de coisas tristes não paravam de vir e ir embora, levando-me toda a resistência que  ainda tinha!
E nesta luta, que eu não sei o quanto de tempo já se havia passado, para mim representava uma eternidade, já estava cansado, mas não tinha forças para acordar e quando eu menos esperava, voltavam aquelas visões estranhas, imaginem vocês que até a guerra de 1918, eu estava nela, e em certos momentos aparecia dentro de um avião abrindo fogo contra meus inimigos imaginem quem eram? Os eternos “chucrutes” (alemães)!
Meu estomago começou a querer botar aquele líquido para fora, precisa vomitar, mas como? Meu corpo não obedecia a minha vontade e não sei até hoje, quanto tempo passei naquela cadeira! Tinha hora que eu sentia que ela havia ficado pequena demais, me lembro que eu me contorcia todo, tinha hora que eu pensava que estava no chão de tanto que eu mexia!
De repente, apareceu meu colega e me retirou carregado dali, levando-me para fora, onde vomitei tanto que parecia que as minhas tripas iam sair, pedi que  levasse-me para o hotel, já não aguentava mais aquele lugar!
Lá chegando, colocaram-me sobre a cama, com roupa e tudo e lá fiquei naquele estado de entorpecimento, até o dia seguinte, quando consegui abrir os olhos e fazer um juramento que nunca mais iria tomar aquele chá que, de santo não tinha nada!
 E assim foi mais uma das minhas aventuras neste mundo sem fim!
Em tempo: Fiquei com tanta raiva daquele amigo, porque que enganou-me, fazendo-me passar por todo aquele dissabor, que acabei rompendo a  amizade e, portanto, nunca mais o vi! Deve estar por aí, bebendo aquele chá horrível e tendo as visões maravilhosas, que somente ele tinha! 
OBS.: O Santo Daime surgiu como culto cristão no Acre no século XX. O chá que provoca visões, segundo a crença conecta o homem com o divino. Nos rituais regados ao chá ayahuasca, bebida sagrada dos incas, os adeptos cantam e dançam a noite inteira.
As folhas são separadas e limpas, assim como o cipó, que leva golpes de machados no ritmo da música. A folha chacrona e o cipó jacupi são cozinhados por horas até se transformar no chá de Santo Daime.
Vestidos com roupas brancas, as doutrinas dessa religião são passadas em formas de músicas em rituais que duram até 14 horas. O chá, servido em intervalos de quatro horas, leva meia hora pra fazer efeito e provoca uma experiência interior, íntima e discreta!
Comandante Niltinho
é piloto de garimpo

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