Aerovias são rotas pré-determinadas que, embora possam ter quase 80 quilômetros de largura, a menos que haja necessidade de desvios meteorológicos, os aviões devem voar no seu eixo.
Até a uns anos atrás, duas aeronaves voando na mesma aerovia, no mesmo nível de voo e em sentidos opostos (situação que não deve ocorrer), dificilmente iriam colidir uma com a outra, pois os sistemas de navegação não davam uma precisão absoluta.
A partir do momento em que o GPS passou a integrar os sistemas de navegação dos aviões, a precisão nas navegações aéreas passou a ser tão grande que o eixo de uma aerovia é exatamente o mesmo para todos os aviões, com uma margem de erro mínima.
Quando em voo observamos um avião em sentido contrário, em um nível acima ou abaixo e também no eixo da aerovia, percebemos que os aviões passam “nariz com nariz”. Com uma maior precisão dos sistemas de navegação as aerovias podem ser mais estreitas, e mais aerovias podem ser criadas. Por isso tudo, o TCAS torna-se um equipamento fundamental à segurança da aviação.
Há uns anos atrás, fiz um voo de Brasília para São Paulo, uma etapa curta que eu costumo chamar de “caminho da roça” em que o TCAS mostrou sua importância. Após deixar Brasília para trás, a rota passa perto de Caldas Novas, sobrevoa Uberlândia, Uberaba, passa na lateral de Franca, Ribeirão Preto e na descida há o sobrevoo de Araraquara, Campinas, Jundiaí e finalmente o pouso em São Paulo.
Uma bela paisagem, com boa cobertura de radar, fácil comunicação com o controle de tráfego aéreo e o melhor de tudo, geralmente após pousar em São Paulo a tripulação está dispensada.
Recém havia passado das oito da manhã e voávamos a 38.000 pés, um pouco acima de uma extensa camada de nuvens e próximos do sobrevoo de Uberlândia. Neste momento surgiu na tela de navegação a informação de que havia um avião se aproximando em sentido contrário e no mesmo nível de voo.
Este tipo de situação acontece muito rápido e logo o TCAS já estava emitindo o aviso sonoro de “TRAFIC, TRAFIC”! O copiloto e eu, olhando para o horizonte a nossa frente, tentamos visualizar o avião que estava cada vez mais próximo.
Pelas regras de tráfego aéreo, caso duas aeronaves estejam voando uma de frente para a outra, em rota de colisão, ambas devem alterar seus rumos para a direita, assim, enquanto na frequência-rádio o controle de tráfego aéreo fazia chamadas ao avião, que naquele instante era uma ameaça ao nosso, decidi efetuar uma curva à direita.
O controlador de tráfego aéreo, através da tela de seu radar, possui não apenas uma melhor visualização da posição dos aviões, mas também é capaz de projetar, à frente, o deslocamento dos voos. A outra aeronave não respondia à chamada do controle de tráfego aéreo, que então nos instruiu a efetuar uma curva imediata à esquerda, exatamente o oposto do que estávamos fazendo!
A distância entre os dois aviões estava diminuindo quando o TCAS entrou no modo de “resolução”, nos instruindo a subir imediatamente: CLIMB, CLIMB! Desliguei o piloto automático, aumentei a potência dos motores, iniciei uma subida e liguei o luminoso de apertar os cintos de segurança, afinal de contas, o serviço de bordo estava em pleno andamento na cabine de passageiros.
Meio minuto depois, quinhentos pés acima da nossa altitude original e após passar bem perto da outra aeronave, veio o esperado aviso sonoro de “CLEAR OF CONFLICT”.
Passado o susto, descobrimos que o avião que vinha de encontro a nós não estava em rumo exatamente oposto ao nosso, mas quase de frente, em uma aerovia que cruzava a nossa e seguia para Goiânia.
Aerovias se cruzam a todo instante, mas somente em espaços aéreos onde os aviões voam orientados pelo controle de tráfego aéreo. Retornamos ao nível de voo original, desligamos o luminoso de apertar os cintos e seguimos em frente.
Informamos ao controle de tráfego aéreo que faríamos um relatório a respeito do ocorrido, assim como o comandante do outro avião, que também teve que alterar sua altitude, deve ter feito o seu.
Estes relatórios vão para o setor de segurança de voo das empresas e também para as autoridades aeronáuticas que iniciam uma investigação do caso. Além de alimentar as estatísticas, estes relatórios devem gerar procedimentos mais rigorosos e seguros para as empresas e para o sistema de controle de tráfego aéreo.
Nas reciclagens anuais em simuladores de voos os pilotos treinam estas manobras evasivas para evitar uma possível colisão, é uma manobra tranquila, mas quando acontece de verdade é uma sensação desagradável.
Eu já achava o TCAS um equipamento extremamente importante, mas depois deste episódio passei a considerá-lo fundamental para a segurança da aviação, um equipamento tão importante para o avião quanto asas ou motores.
Se me perguntarem se eu prefiro voar com uma falha hidráulica, elétrica, de motor, ou uma falha no TCAS, acho que eu prefiro voar com o TCAS em ordem e gerenciar a outra pane.
Comandante Beto Carvalho
é aviador e piloto dos grandes jatos
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