Taiadablog: Comandante Niltinho: Meu último voo com o PT-CZC !!!

sábado, 29 de outubro de 2011

Comandante Niltinho: Meu último voo com o PT-CZC !!!

Felizmente nunca foi preciso usar o meu avião para transportar pessoas da minha família que estivessem doentes, graças a Deus, porém, um de meus maiores sentimentos de culpa, foi  não estar em Gurupi na ocasião em que meu pai, no fim da  vida, precisou ser transportado para Araguaína a fim de fazer um exame, e acabou morrendo dentro da ambulância!

Imaginem só, eu proprietário de avião, ele precisando de um, e eu não o servi, estava longe, simplesmente cuidando dos meus afazeres, que droga, afinal é sempre assim, os pais se matam pelos filhos, e quando precisam deles, sempre estão cuidando de alguma coisa importante e não podem ajudar!


Hoje vivo lamentando, o porquê, de não ter estado lá, quando meu pai precisou! Porque não o levei de avião? Talvez ele não tivesse morrido, mas não, hoje choro por não ter estado ao seu lado o tempo inteiro, afinal, ele cego e no final da vida, estava morrendo, e não fui capaz de ajudar!

Estava longe e acabei perdendo a grande oportunidade de retribuir o tanto que ele havia feito por mim. Hoje só me resta lamentar e pedir-lhe desculpas! Perdi a oportunidade de prestar-lhe o ultimo favor, apesar de não gostar de andar de avião!

Recordo-me que para tirar o brevê, foi numa marra danada, hoje o entendo, era medo de eu cometesse alguma loucura e sofrer um acidente!  

Se eu pudesse voltar no tempo, trocaria todos os voos que fiz em minha vida, para ter a oportunidade de fazer justo aquele que não pude fazer! Esta magoa vou carregar para sempre!
 
Agora, no final de minha vida como aviador, sentindo que não haverá mais como sobreviver pilotando um avião na Amazônia, tudo por culpa de um decreto do Lula, transformando milhares de hectares em reservas, tirando de nós o sustento, só restava vender meu avião, e isso me causava uma tristeza tão grande, só de pensar em perder aquele companheiro de tantas aventuras, daquele que me deu de comer por tantos anos!
Sentia uma tristeza tão grande, que não quero nem voltar meus pensamentos para aqueles momentos, em que tive que aceitar a nossa separação, não foi nada fácil!

Conservá-lo por uma simples questão de amor não é fácil, vocês sabem que manter um avião parado, tendo que fazer todo ano o custoso IAM e manter as cadernetas em dia, é muito caro e não era conveniente.

Então resolvi levar o meu querido PT-CZC para Goiânia e entregar aos meus amigos Iron e Baiano, para que o vendessem, pensando em salvar pelo menos a gasolina, e olhem só o que é que me aconteceu:

Estava no aeroporto quando o celular tocou, e era a Domingas (minha esposa) pedindo para que eu corresse  ao hospital,  que sua mãe estava passando mal!

Que susto levei afinal, minha sogra era uma rocha, tinha uma saúde de ferro, nunca havia visto ela, ao menos, passando perto de um hospital, e agora, está internada, achei que era brincadeira da Domingas, porém fui encontrar-me com ela, na porta do hospital!

Quando vi minha esposa, fiquei preocupado pois ela não era de chorar por qualquer coisa! Dirigi-me para o apartamento onde  estava minha sogra  e logo me certifiquei que a coisa era grave!

Estava em coma profundo, não falava, não se mexia! Tratei logo de ter uma conversa com o médico, afinal Tucumã ainda não disponibilizava de estrutura de assistência médica para que ficássemos tranquilos, quase sempre tínhamos que retirar os doentes mais graves, geralmente para Araguaína, e olhem só o que o médico disse:

“- Ela teve um aneurisma cerebral e talvez vá precisar tirar uma tomografia computadorizada da cabeça e como não temos este aparelho em Tucumã, vai ser preciso levá-la para Redenção  que é local mais próximo daqui, porém vamos aguardar por vinte e quatro horas, se ela não melhorar vou liberá-la para ser levada de avião certo,  Comandante?
- Tudo bem, doutor, estarei aguardando, já vou deixar o avião no jeito!

Minha sogra não melhorava, parecia que o derrame tinha sido violento! Fiquei com muita pena da Domingas, como já tinha perdido o pai, só lhe restava a mãe e como eram muito próximas, tratei de ir preparando-a para o pior!

Como não apresentava melhoras, o médico pediu para que a levássemos para Redenção, onde já teria um médico  aguardando, afim que fizéssemos a tomografia!

Como é difícil transportar um doente, e muito pior ainda, é quando se trata de gente da família, pois a gente voa com o pensamento na pessoa que está ali ao seu lado! Não consegue ficar com a mente só ligada ao voo, a qualquer movimento, eu virava para trás, afim de ver se ela estava bem!

Recordo-me que o tempo não estava nada para céu de Brigadeiro  e o CZC não parava de balançar,  fazendo com que a Domingas tivesse muita dificuldade em mantê-la na maca, e assim fomos nós até Redenção!

Lá chegando, já havia uma ambulância nos aguardando, não demorando muito para chegarmos ao hospital, onde logo em seguida foi iniciado o exame.

Eu estava ao lado do médico, e quando ele consultou a tomografia, notei, pelo seu olhar, que a coisa era brava mesmo: o derrame havia sido grande demais, atingindo grande área de seu cérebro! Disse-me o médico:

“ - Você deverá prosseguir para Goiânia pois, aqui, nada podemos fazer para ajudá-la! Como já está tarde para decolar, vamos arrumar um apartamento para a paciente! Sua esposa poderá ficar fazendo companhia, e você poderá ficar em um hotel que fica logo em frente do hospital! Amanhã cedo mando a ambulância levá-los para o aeroporto!

- Tudo bem, Doutor, decolo amanhã logo cedo e, com mais três horas e meia, estarei em Goiânia!”

Dizer aquilo para Domingas não foi fácil, afinal ela tinha grande esperança que os exames seriam favoráveis à sua mãezinha, e ficou realmente muito triste, porém, como nada podíamos fazer, só aguardar, tratamos de arrumar as coisa para passarmos a noite ali naquele hospital!

Resolvi também passar a noite no hospital, revezando nos cuidados com a doente, dando assim a oportunidade para que eu e minha esposa dormíssemos um pouco!

Lá pelas duas horas da madrugada, ocorreu novo derrame, e minha sogra foi transferida para a UTI e enquanto ela lutava por sua vida, ficamos no apartamento, tentando avisar os parentes que a situação havia piorado e que se preparassem para o pior!

Ela tinha dois filhos, que moravam bem distante, uma em Portugal e o outro em Macapá, e não é que a que morava fora do país, acabou chegando primeiro?

Infelizmente ela não resistiu e veio a falecer, pelas quatro horas da manhã e, o que fazer? Que situação ficamos, só nós dois, eu e a Domingas, tendo que tomar uma série de providências como, embalsamar o corpo, o caixão, a liberação para o traslado do corpo! Tudo isto sim, foi o mais difícil, se não  fosse a tal da gorjeta, ainda estaria por lá!

Gasta-se muito com tantas despesas que aparecem, as quais, geralmente, chegam quando se está desprevenido, gerando situações constrangedora como esta, de ser necessário esparramar uma série de borrachudo, para poder tirar minha querida sogrinha daquele lugar e leva-la para Anápolis, onde seria enterrada!

Claro que aprendi, a guardar um dinheirinho na poupança, para quando chegar a minha vez, pois não quero dar trabalho aos meus genros, até mesmo para evitar ficarem “costurando-me” pelas costas!

Estão vendo? Até na morte o sogro dá trabalho pois, “se pelo menos tivesse deixado uma fazenda, mas não, morreu pobre o coitado!” Por isto, meus irmãos, vou deixar até meu enterro pago!

Fui acabar de tomar as providências, lá pelas onze horas da noite! Dormir que é bom, nada,  embora estivesse quase caindo de sono, e só olhando para cima, percebi que o céu foi ficando carregado de nuvens pretas, e pensei comigo: “acho que a minha sogrinha ainda vai me dar algum trabalho!”

E não deu outra, quando cheguei ao aeroporto, o tempo tinha descambado para chuva, e foi aquele sufoco embarcar a sogra no meio de tanta água, pois os hangares estavam todos cheios de aviões e tivemos que nos arrumar lá fora!

Minha sorte foi um colega que me pediu uma carona e acabou ajudando-me muito! Tivemos que retirar a porta para  acomodar o caixão, a Domingas e as malas, ainda bem que o Skyline foi feito para a Amazônia! Sem querer, os gringos nos deram este grande presente!

Decolei debaixo de chuva, e lá fomos “espantando macaco” até chegarmos ao Rio Araguaia, onde o tempo melhorou, e assim, lá pelas três horas da tarde, chegamos em Anápolis, onde entreguei minha sogra para meus cunhados, tratando de arrumar uma cama pois, irmãos, estava quebrado! Este negócio de ficar sem dormir não é comigo não!

Passados uns três dias do enterro, decolei de Anápolis e pousei em Goiânia fazendo, na verdade, meu último voo com o PT-CZC!

Não foi nada agradável, senti muita tristeza em me separar daquele companheirão, que me deu muitas alegrias, que nunca me deixou na mão, e olha lá que nunca entendi de mecânica, para falar a verdade não dou conta de apertar um parafuso sequer, e voando por este mundão afora, grande parte na Amazônia,  somente um avião como o CZC, para não me deixar na mão!

Se dependesse só de mim, estava ferrado! Ele cumpriu sua missão muito bem, foram muitos anos juntos! Teve época em que  não tive condições de dar-lhe uma boa manutenção e, no entanto ele continuava voando!

Ás vezes voava com apenas quatro cilindro, mas voava, não estava nem ai, geralmente nas épocas em que eu não tinha dinheiro para consertá-lo e, no entanto, nunca me derrubou!

Por isto que digo que, sem querer, os americanos fizeram um avião para voar na Amazônia, que superou a todos, basta  verificar, que quase todas as aeronaves que voaram nos garimpos eram Skyline, uma combinação dar tão bem como a que a Cessna fez, usando o motor continental 230 na célula do 182, isto sim é que chamo de um casamento perfeito!

Deixei o CZC no hangar do Iron em Goiânia, e voltei para Tucumã com o coração partido, só retornando, quando um corretor me pediu disse que tinha um comprador de Brasília que já havia visto a aeronave e tinha interesse de comprá-lo!

Nunca fiz um negocio tão fácil como aquele, pois pedia $100 mil e acabei vendendo, se não me engano, por $96 mil à vista!

Amigos, até nesta hora o CZC me ajudou,  imaginem vender um avião à vista, assim no monte! Pensei, este comprador tem que ter muito dinheiro, acredito que  vá cuidar muito bem do meu avião, e isto foi uma das coisas que mais me tranquilizou, nunca venderia aquele avião para uma pessoa que não fosse cuidar muito bem dele!

Afinal ele para mim, não era somente um avião, era muito mais que isto, meu parceiro de anos. Só que nunca poderia imaginar, que seria preciso gastar uma fortuna, para deixá-lo em ordem, quase o dobro do que ele me pagou!

Fiquei encabulado pois, no dia em que o Ricardo mandou-me a relação do que ele havia trocado e adicionado, não quis acreditar, tive a sensação de ter vendido não um avião e sim uma carniça!

Acho que ele devia ter pensado que eu era um doido em voar com um avião naquele estado!

Desculpe-me Ricardo Salzano, não tinha nenhuma noção da necessidade de fazer tudo aquilo que você fez, para que ele continuasse voando! Sempre confiei na oficina que fazia a  manutenção do CZC!
Acredito que ocorra uma diferença entre o piloto que necessita voar para ganhar o seu sustento, para aquele que quer um avião para lazer, e aí é que reside esta diferença!

Não houve nada intencional, tanto da minha parte como da oficina aonde estava o avião, visando passá-lo para trás! Ninguém agiu de má fé, e eu nunca iria colocar em risco a vida de uma pessoa como você, íntegro, e por isto, eu e o CZC temos que agradecer!

Hoje, após termos conhecido um ao outro muito bem, tenho um carinho todo especial a sua pessoa, considerando-o como amigo, e esperando ser considerado também como seu amigo!

Finalizando a historia deste grande avião, gostaria de incluir a sua impressão deste bravo Cessna Skyline 182, que muito voou nestes céus brasileiro, e até mesmo uma ou outra história que ache interessante, afim de enriquecer mais ainda estas minhas aventuras!
        

Relação de peças trocadas no CZC pelo comprador Ricardo Salzano:

Trocas feitas após a compra:
1.       Postes das portas
2.       Assoalho
3.       Barriga
4.       Teto
5.       Travessas estruturais do teto
6.       Ys das laterais traseiras
7.       Parafusos dos montantes das asas
8.       Berço do motor (reparo – havia trinca)
9.       Lords do berço
10.   Parafusos de fixação do berço
11.   Parafusos de fixação dos trem de pouso principais
12.   Remoção da pintura antiga e nova pintura
13.   Estofamento novo
14.   Manches novos com PTT
Após esta reforma, começaram a surgir as panes:
15.   Carburador, feita TBO, tudo novo
16.   Regulador de voltagem , teve que ser  trocado por um novo
17.   Bomba a vácuo, trocada por nova
18.   Jogo de velas, substituído por novo
19.   Magnetos, sem conserto, substituídos por novos
20.   Cablagem nova para os novos magnetos
21.   Pane no regulador de voltagem, substituído por novo
22.   Substituição dos drenos de combustível (todos com vazamento)
23.   Suporte do leme (com corrosão), parte estrutural
24.   Cubo das rodas de todas as rodas (ferrugem), tudo novo
25.   Discos de freio, substituídos por novos
26.   Rolamento das três rodas, substituídos por novos
27.   Pastilhas de freio dos principais, substituídas
28.   Foi feito novo assentamento de válvula nos 6 cilindros
29.   Pneus novos juntamente com as câmaras de ar
30.   Colocada nova iluminação de painel e teto da cabine
31.   Trocada antena do transponder (com defeito)
32.   Colocada antena de ADF e substituída a de VOR
33.   TBO de hélice, foi tudo trocado e posto novo
34.       Foi trocado o governador de hélice, o antigo pifou
35.       Substituídas as luzes de navegação (queimadas)
36.       Substituído um dos faróis (queimado desde a compra)
37.       Foi trocado o ELT, exigência da ANAC
38.       Intercom com 4 saídas e 4 fones
38.       Polainas
39.       Estrobo de ponta de asa
40.       Foi  homologado para IFR
41.       Algema de hélice e tranca nos tanques de combustível
42.       Capas externas para para-brisas  dianteiro e traseiro
43.       VOR com glide-slope para vôo IFR
44.       Mais um horizonte artificial
Agora veja aí e me diga Comandante Niltinho, se nosso CZC não ficou novo ??



Comandante Niltinho
é piloto de garimpo


6 comentários:

Anônimo disse...

Sera porque o novo proprietario do avião retirou a palavra PAZ que estava pintado na fuselagem, Nunca tinha visto nada iqual, foi uma pena,lamentavel.

Junior disse...

Sera que teremos mais historias como estas JC?

Unknown disse...

Fique tranquilo Junior, que vem muito mais por aí, ok?

Cassio disse...

É, de fato, uma pena que as histórias tenham terminado. Meus parabéns ao Comandante Niltinho por tudo que vivenciou na amazônia e para vc. JC que nos trouxe à tona assunto tão importante!

Telmo disse...

Jc, gostaria de saber se o novo proprietario venderia este avião e por quanto? ( sem a fama )li todas as historias e gostei talvês ele venha ficar famoso e ai então..........?

Unknown disse...

Telmo: se por ventura tiver mesmo interesse em negociar, peço que entre em contato, através de seu email pessoal com o taiadablog, ok?
Abraços.