Taiadablog: Ferrovias do Vale: promessa do trem-bala completa 34 anos

domingo, 16 de outubro de 2011

Ferrovias do Vale: promessa do trem-bala completa 34 anos

Em 2007 o então presidente molusco da Silva anunciou que o governo investiria na construção de um trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo. O anúncio gerou grande movimentação entre cidades da região e empreiteiras, grandes interessados nos lucros que o transporte poderia gerar. Quatro anos se foram e sequer a licitação do citado trem foi feita.
Mas, você sabia que a promessa de construção de um 'trem-bala' está perto de completar 35 anos? Embora durante este período o projeto tenha sido desenvolvido de diversas maneiras, por diversas empresas e aos mais variados custos, desde 1977 ele foi analisado por todos os presidentes que passaram pelo Palácio do Planalto.
De piada a palanque eleitoral, o trem bala brasileiro já foi de tudo, menos uma ferrovia de verdade. É o que você vai ler nesta reportagem, a última da série "Ferrovias do Vale".
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O sonho do trem-bala brasileiro nasceu
de uma visita de um presidente ao Japão.

Em setembro de 1977, Ernesto Geisel visitava o país quando foi convidado a dar uma volta no Shinkansen, o trem-bala japonês. Em entrevista durante a viagem, dada à Rede Globo (foto ao lado), Geisel falou em levar o sistema para o Brasil e implantá-lo no trecho Rio-São Paulo.
Geisel retornou ao Brasil com a ideia, mas mesmo o período conhecido como 'milagre econômico' não foi o suficiente para colocá-la em prática. Porém o anúncio foi responsável por desencadear uma onda de especulação imobiliária em toda a região. Por incrível que pareça, o trem-bala, sem 1 metro de trilho construído, trouxe impactos positivos para a região no período entre 1977 e 1981. Segundo registro da imprensa da época, o preço do metro quadrado na região central de São José dos Campos chegou ao mesmo valor praticado no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro.
Geisel saiu do poder, o próximo presidente, João Figueiredo, também analisou propostas de empresas japonesas a respeito do trem, mas também as deixou de lado.

Muitas nacionalidades, nenhum trilho
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Embora o governo tenha se entusiasmado com a ideia em 1977, o projeto de um trem-bala foi oferecido ao Brasil ainda antes disso, em 1968 (veja quadro ao lado). Mas, um estudo oficial de viabilidade, com um projeto de ligação entre Rio e São Paulo, só foi realizado em 1987, ordenado pelo presidente José Sarney.
1987 a 1989. 'Era Sarney'
Sarney pediu o estudo após uma comissão japonesa, formada pelas empresas Toshiba, Mitsui, Hitashi e Nec, visitar o país e concluir que o trem era viável e que o relevo da região do Vale do Paraíba era favorável à instalação do trem. A exemplo do que os ingleses fizeram no Brasil há quase 150 anos, os japoneses vieram com o projeto e também com a linha de financiamento de US$ 2 bilhões, liberada pelo EximBank japonês.
O ponto duvidoso deste projeto era que os japoneses queriam colocar o trem de alta velocidade na mesma linha onde corriam os trens da Central do Brasil. Foi então que o governo federal, em parceria com o governo paulista, decidiu realizar um estudo mais profundo do caso, definindo a ligação entre Rio e São Paulo com ramais para Campinas e Araraquara. Foi também a primeira vez que se idealizou uma parada em São José dos Campos (veja quadro abaixo).

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 Revista Veja de 1987 trouxe a ideia do governador Orestes Quércia
de interligar Rio, São Paulo e o interior paulista pelo Trem-Bala

Mas, no mesmo ano, o Ministério dos Transportes divulgou o resultado do estudo: o trem bala, nos moldes em que queriam os japoneses, não era viável.
No mesmo ano um grupo inglês fez uma proposta para o trem-bala, custando US$ 700 milhões e utilizando também a ferrovia Central do Brasil, com adaptações. O projeto foi engavetado pelos próprios ingleses, que acreditavam que a dívida externa brasileira seria um obstáculo para o sucesso do projeto. Aí vieram os franceses.
Em 1988 o Brasil recebeu proposta oficial do governo francês para a construção de um trem de alta velocidade em linha própria. Um projeto de US$ 4 bilhões que seria financiado pelos franceses, com a condição de que todo o material fosse comprado da francesa Alstom. A linha seria inaugurada em 1996.

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O projeto francês parecia perfeito para o que o Brasil queria. Foi aprovado pelo Ministério dos Transportes, mas esbarrou na economia da época. Com a implantação do Plano Cruzado e o aumento da dívida externa os franceses decidiram não se arriscar e o projeto foi engavetado.
1990 a 1994. 'Era Collor'
Chegamos aos anos 90. No governo de Fernando Collor o Ministério dos Transportes resolveu arriscar tudo: lançou edital para que qualquer empresa oferecesse o serviço de alta velocidade, com o preço que quisesse e com contrato de exploração por até 90 anos. Apenas uma empresa apareceu, uma sociedade de um brasileiro com um milionário árabe ao custo de US$ 5 bilhões. A proposta foi engavetada pelo Congresso Nacional.
1995 a 2003. 'Era FHC'
1996, ano de privatização das ferrovias federais. Enquanto isso o governo Fernando Henrique Cardoso implantava um acordo de cooperação com um grupo de 16 empresas e o governo alemão.
O acordo resultou em um estudo para definir uma alternativa rápida de transporte entre Rio, São Paulo e Campinas. A conclusão apontou o trem de alta velocidade como alternativa viável. A iniciativa ficou conhecida como "Projeto Transcorr".
O projeto Transcorr ficou pronto em 2000 e orçou a ligação de alta velocidade em US$ 7 bilhões e previa transportar 41 bilhões de passageiros em 2012.
O projeto foi engavetado e, segundo informações da consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, gerou dois concorrentes: o projeto Italplan, concluído em 2004 e o projeto Interglobal.
A consultoria da Câmara preparou relatório de viabilidade em 2007 analisando as 3 propostas.
Concluiu que as empresas que desenvolveram os projetos fizeram uso de combinações pouco prováveis para viabilizar o trem. Por exemplo, um dos projetos previa gerar 140 mil empregos na região com a construção e em outro caso o número de passageiros transportados por ano era maior que a soma dos passageiros que utilizam o ônibus, o avião e o carro no trecho. E para finalizar, em um dos projetos a empresa responsável por sua elaboração apresentou o próprio "Trem de Alta Velocidade Brasileiro" como sua única experiência anterior de construção.

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 Relatório de consultoria do Congresso, publicado em 2007

2004 a 2011. 'Era Lula/ Dilma'
Pouco antes do fim de seu primeiro mandato o presidente Lula anunciou o trem bala como uma das bandeiras de seu governo. Foi a primeira vez que o governo federal publicou um estudo preliminar de engenharia com as definições de estações e a promessa de lançamento do edital para o ano posterior - cronograma que não foi cumprido.
O projeto do trem de alta velocidade (TAV) foi impulsionado pelo Brasil ter recebido os direitos para realizar a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016. Para os menos otimistas: até uma estatal para gerenciar as obras foi criada, a Etav - Empresa do Trem de Alta Velocidade.
O estudo preliminar aponta que o Vale do Paraíba teria duas estações do TAV. A primeira seria na região de Aparecida - a estação poderia ficar em Aparecida ou na vizinha Potim - e a segunda a ser definida - o estudo inicial apontava viabilidade para São José dos Campos.

Como aconteceu em 1977, o anúncio foi suficiente para causar especulação imobiliária.

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Mapa que está no último estudo do trem-bala, feito pela inglesa Halcrow:
o traçado proposto segue o trajeto da ferrovia Central do Brasil e da rodovia Presidente Dutra

Outras estações seriam implantadas no terminal do aeroporto de Guarulhos, outras no Rio (aeroporto Santos Dummont e Galeão), outra em Campinas (aeroporto de Viracopos) e uma outra no aeroporto de Campo de Marte, em São Paulo.
O projeto, conforme visto em audiências públicas já realizadas, deve envolver uma disputa entre consórcios da China, Inglaterra e França. A má notícia é que, segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT, o TAV de Lula não ficará pronto antes de 2019, portanto, depois de Copa e Olimpíada.

A nova ferrovia e o Vale
Assim como ocorrido durante os últimos 150 anos, a construção de uma nova ferrovia pode dar início a uma nova fase de evolução econômica, cultural e demográfica do Vale do Paraíba. E qual cidade deverá encabeçar esta fase?
"Será melhor para as cidades cortadas pela ferrovia que tem mão de obra qualificada, essas terão impacto muito mais positivo. Os trabalhadores da ferrovia geram emprego e renda, só que é um projeto temporário", comenta o economista Edson Trajano.
"Evidentemente que o trem bala não é a necessidade de transportes do Vale do Paraíba. Temos a necessidade de desenvolver o transporte urbano, o interurubano entre as cidades, como Jacareí e São José, Caçapava e Taubaté. Precisa ter um plano seguro para isso", diz o historiador Francisco Sodero.
Assim como a ferrovia Central do Brasil desenvolveu cidades como Cruzeiro, Guaratinguetá e Taubaté, com um 'boom' populacional e econômico logo após a sua implantação (veja quadro abaixo), a ferrovia de alta velocidade pode fazer o mesmo com outras cidades, mas há um preço a se pagar por isso.

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"O trem bala vai passar e vai provocar mudanças nem sempre favoráveis para o Vale. Como por exemplo a cidade de Potim, que poderia ter uma estação. Com grande movimento, de até 4 milhões de passageiros por ano em uma cidade que não tem infraestrutura, onde o esgoto é jogado a céu aberto ou diretamente no Rio Paraíba. É uma obra que precisa de união entre os governos federal, estadual e municipal, que vai levar tempo", conclui Sodero

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