Taiadablog: Ferrovias do Vale: retrato do país que ignora o transporte ferroviário !!!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Ferrovias do Vale: retrato do país que ignora o transporte ferroviário !!!


O que aconteceu com o trem no Vale do Paraíba entre 1980 e 1996 foi exatamente um reflexo da situação vivida no restante do país. Os trens foram colocados em último plano, a Rede Ferroviária Federal foi administrada de maneira política e o período pré-privatização representou um sucateamento acelerado do patrimônio público.

Na década de 80 a Rede Ferroviária Federal concentrava as operações de quase todas as ferrovias do país. Fugiam a esta padronização as ferrovias do governo do Estado de São Paulo, que aqui no Vale se resumia à Estrada de Ferro Campos do Jordão. Nesta época a EF Bananal estava desativada há quase 20 anos e a Estada de Ferro Lorena-Piquete caminhando para sua desativação. E acredite, em 1987 o governo já falava em um trem de alta velocidade. Coisa de outro mundo, tanto é que 25 anos depois ele nem começou a ser construído.

A piada do transporte ferroviário: a Revista Veja de 6 de maio de 1987 apresentava o projeto do governo para um trem de alta velocidade


TRENStorno Após uma reestruturação, a Rede Ferroviária Federal passou a ser dividida em regionais. As ferrovias do Vale passam ao controle de uma regional no Rio de Janeiro e, posteriormente, transferida para a cidade mineira de Juiz de Fora - onde funciona até hoje o escritório regional da inventariança da rede (traduzindo: a administração do patrimônio que sobrou).

Depois de mais de 20 anos competindo em posição desfavorável com o transporte rodoviário, o trem passa de símbolo de desenvolvimento para símbolo de transtorno. E são as cidades que mais estiveram ligadas com a Central do Brasil que passam a sofrer com isso: as composições trancando as ruas centrais das cidades, atropelamentos constantes de pedestres, poluição sonora a qualquer hora do dia ou da noite.

Em Guaratinguetá, Taubaté, Lorena, Cruzeiro e Pindamonhangaba o trem passa bem na região central. E em 60 anos estas cidades pouco ou nada fizeram para contornar a situação. As mudanças mais significativas foram feitas em Taubaté, com a construção de 2 túneis que praticamente anulam a interferência do trem no dia a dia dos moradores.

O centro de Lorena (foto) para quando o trem passa
e os atropelamentos no local são frequentes

O transporte de passageiros passa a fase de 1990 até 1996 como uma modalidade de luxo, com pelo menos 3 tentativas de reativação frustradas e partidas em datas comemorativas. "Já estava na cabeça das pessoas que o trem era algo ultrapassado, o que não é verdade", diz o maquinista Reginaldo dos Santos. A última partida foi a do Trem de Prata, em 1996, em um evento comemorativo.

Dou-lhe 1, dou-lhe 2... vendido!
Também em 1996 é concluído o processo de desestatização da malha ferroviária nacional. O trecho do Vale do Paraíba é concedido ao Consórcio MRS Logística, que pagou R$ 888 milhões por todo o lote que engloba também o trecho até Santos e o trecho Rio-Minas. "O pior presidente que teve pra gente se chama Fernando Henrique. Ele preferiu privatizar tudo do que corrigir os problemas da Rede", diz o ferroviário aposentado Manoel Carvalho. Segundo ele, a Rede Ferroviária tinha muitos problemas que só foram crescendo devido a falta de interesse do governo.



Estação de Quiririm - demolida. Hoje existe um restaurante e uma casa noturna no terreno que abrigava a estação. Quando o trem passava por Quiririm a ferrovia passava também por Tremembé. A estação da cidade serviu por poucos anos à Central do Brasil. Hoje está desativada e fica na praça central.

"Chegou no fim da Rede Ferroviária e a empresa estava abandonando tudo. Abandonou estações, abandonou locomotivas e estava abandonando até os funcionários", diz o maquinista Reginaldo. "Eu já fui maquinista, hoje eu sou puxador de trem. Acho que é assim que a empresa vê", complementa.

E sobre os quatro primeiros anos de privatização, estes foram de total incerteza. Enquanto as empresas vencedoras dos trechos ferroviários investiam em renovação da frota de locomotivas, vagões e trilhos, oficinas e pátios, de outro lado ficou o patrimônio ferroviário. "Houve uma dúvida sobre os imóveis da Rede. Muita gente ainda morava em casas que eram propriedade do governo. Essas casas ficaram de fora de qualquer discussão, já que a empresa que assumiu não se interessava e o governo não sabia o que fazer com elas", conta Roberto Santos, filho de ferroviário, residente em Lorena. A discussão sobre a propriedade destas casas persiste até hoje e envolve Sindicato, famílias de ferroviários e o Governo Federal.


O patrimônio hoje
A memória ferroviária sobrevive da boa vontade de historiadores, institutos e associações de preservação. Nesta edição de Ferrovias do Vale mostramos um pouco desta situação e como estão algumas das gloriosas estruturas ferroviárias que serviram ao desenvolvimento no passado.

Nos cinco capítulos anteriores nós apresentamos a evolução econômica e populacional do Vale do Paraíba. O trem foi responsável por guiar este desenvolvimento até meados da década de 1950.

Aparecida
Ferrovia Rio-São Paulo
A 'Estação Apparecida' abriga hoje a Secretaria de Cultura da cidade. A estação era formada por outros dois prédios anexos. Hoje todos estão em uso: um pela MRS e outro pela Prefeitura, como escola.

Bananal
Estrada de Ferro Bananal-Barra Mansa
Apenas duas estruturas ferroviárias sobreviveram em Bananal: a estação e uma ponte. Os trilhos foram retirados na década de 1970.




A Estação da cidade, que foi pré-fabricada na Bélgica no século 19 e até hoje apresenta condições satisfatórias de conservação. A estação já serviu como rodoviária e agência dos Correios. Uma decisão judicial transferiu, já nos anos 2000, o prédio para o patrimônio dos Correios. Segundo os Correios, está em estudo a volta do uso do prédio. Enquanto isso o tempo cuida de deteriorar internamente o prédio.

Caçapava
Ferrovia Rio-São Paulo
A cidade se destacou na fabricação de vagões com a empresa Mafersa. Com o fechamento da empresa, os galpões onde ela funcionava ficaram vazios por anos, estocando sucata. Atualmente funciona no local a empresa MWL, que produz eixos ferroviários. A estação da cidade está desativada e sem uso.



Cachoeira Paulista
Ferrovia Rio-São Paulo
O maior descaso com o patrimônio ferroviário, histórico e cultural pode ser observado em Cachoeira Paulista. A estação da cidade é a maior da região e foi o ponto onde as ferrovias EF do Norte e EF Dom Pedro se cruzaram - posteriormente se tornando a Central do Brasil. Hoje o prédio está em ruínas, não possui mais telhado e o pouco que resta ameaça desabar.


A Prefeitura da cidade é a dona da estação desde 2010, mas aguarda recursos para fazer alterações no local. A cidade também possui uma instalação industrial da época da Central do Brasil, onde hoje está instalada uma reformadora de vagões.

Campos do Jordão
EFCJ, Estrada de Ferro Campos do Jordão
A Estrada de Ferro Campos do Jordão mantém operacional todas as suas instalações e galpões nas cidades de Pindamonhangaba, Campos do Jordão e Santo Antônio do Pinhal.

Cruzeiro
Ferrovia Rio-São Paulo/ Ferrovia para o Sul de Minas
A estação ferroviária da cidade aguarda um destino. Em 2009 a Prefeitura informou que recebeu a posse do local.



O enorme galpão que já abrigou a Fábrica Nacional de Vagões hoje serve à empresa Amsted-Maxxion. O túnel da divisa entre Rio e São Paulo, que já serviu ao turismo, hoje aguarda manutenção. Os trilhos até o túnel seguem preservados, mas sem uso.

Guaratinguetá
Ferrovia Rio-São Paulo
A estação principal foi restaurada em 2007 e hoje abriga um pequeno acervo de fotos e objetos. Algumas casas na lateral da estação, que pertenciam à Rede Ferroviária, hoje abrigam restaurantes. Os galpões da Rede, do lado direito da estação, seguem abandonados.


A Estação Engenheiro Neiva, que fica próxima a um quartel do Corpo de Bombeiros, está servindo à MRS Logística. O prédio apresenta condições razoáveis de conservação.

Jacareí
Ramal da ferrovia Rio-São Paulo
Uma mudança no trecho de São José dos Campos e Jacareí no início dos anos 90 retirou a passagem do trem por dentro da cidade. Desde então os trilhos foram sendo retirados e deram lugar a duas avenidas. A estação da cidade e os trilhos da praça onde ela está instalada continuam preservados pela Prefeitura.

Lavrinhas
Ferrovia Rio-São Paulo
A estação da cidade está desativada. O trem continua passando pela pequena cidade.

Lorena
Ferrovia Rio-São Paulo e Estrada de Ferro Lorena-Piquete
A estação da cidade está a serviço da empresa MRS Logística, na ferrovia Rio-São Paulo. Os trilhos da ferrovia para Piquete foram retirados no início dos anos 90 (veja foto do trecho que cortava o bairro Cabelinha, cedida por Ércio Molinari).




Piquete
EF Lorena-Piquete
As estações da área urbana de Piquete estão bem conservadas. Duas delas são mantidas pelo Exército Brasileiro e uma terceira é mantida pela Prefeitura. Nenhuma possui sinais de vandalismo. As estações que ficavam na área rural foram demolidas.

São José dos Campos
Ferrovia Rio-São Paulo
Estação de Eugênio de Melo - desativada após a privatização da ferrovia Rio-São Paulo. Foi posteriormente alugada para uma empresa e desde 2007 está abandonada. Em setembro de 2011 o Iphan foi condenado pela Justiça a reformar a estação.

 
era a última estação antes do trem seguir para Jacareí.

Taubaté
Ferrovia Rio-São Paulo
Estação principal - abandonada, sofre com a ação do tempo e suas laterais abrigam muitos moradores de rua. O prédio faz parte do patrimônio da Rede Ferroviária Federal. Segundo a Prefeitura de Taubaté, não há um projeto específico para reforma ou restauro do local.
Estação Limoeiro - desativada e abandonada, fica próxima à empresa Monsanto,

Um comentário:

Banzo disse...

Belíssima reportagem.