Taiadablog: Sexta-feira 13 !!!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sexta-feira 13 !!!


Júlio dizia não ser supersticioso. Apesar disso evitava passar embaixo de escadas ou cruzar com gatos pretos. Sempre que encontrava trevos de quatro folhas os pegava e colocava no bolso. Tinha uma figa e um pé de coelho entre os chaveiros que carregava e, sextas-feiras 13 eram dias em que ficava taciturno, calado, tentando não chamar a atenção...

Tudo isso porque não era supersticioso! Imaginem então se fosse...

Quando alguém o abordava e dizia que ele era, pelo contrário, um sujeito muito supersticioso, ele negava de pés juntos e dizia que as práticas que adotava eram apenas formas de se prevenir contra os azares da vida, naturais e possíveis para qualquer pessoa. Ainda assim, dizia que vez ou outra nem mesmo estes cuidados lhe garantiam a sorte que desejava ter.

Numa sexta-feira 13 qualquer, munido de seus amuletos, Júlio saiu de casa... Evitou escadas, gatos pretos, ruas desoladas e escuras... Levou a figa e o pé de coelho no bolso, trazia sua correntinha com o crucifixo herdada do avô no peito e sentia-se, ainda assim, preocupado...

Movimentos súbitos ou pessoas que estranhamente seguiam na mesma direção que ele logo lhe chamavam a atenção e o faziam mudar de rumo. Como estava de prontidão, foi atravessando ruas, passando por caminhos que a princípio conhecia, cruzando avenidas e de repente se viu num lugar que lhe era totalmente novo, que nem parecia ser em sua própria cidade, ainda que como metrópole, pudesse ter áreas por ele desconhecidas.

O tempo, para colaborar, fechou e vento, raios e trovoadas no horizonte anunciavam a chuva prestes a chegar. As ruas pareciam vazias, exceto por alguns vultos que ele divisava nas ruas e esquinas pelas quais passava. Pensou em dar meia volta e retornar. Até tentou fazer isso, mas não conseguia localizar a saída daquele lugar.

Imaginou que poderia pedir informações em algum estabelecimento comercial ou ponto de táxi, mas não encontrava ninguém. As luzes das ruas se acenderam assim que a tempestade chegou, e com ela uma escuridão como não imaginava possível aquela hora do dia. Abrigou-se embaixo de uma marquise, de um prédio antigo, que parecia fechado há muitos anos. 

Reparou então que deitado num canto, encolhido embaixo de jornais e de caixas de papelão estava um mendigo. Pensou em sair dali pois podia ser um assaltante, traficante ou drogado. Viu então que ele mal se mexia, que gemia e que se contorcia como se estivesse delirando. Chegou mais perto e notou que era, apesar dos trajes sujos, do cheiro forte, da barba e cabelo mal cuidados, o pedinte era um jovem que não deveria ter mais do que 25 anos.

Ele continuou deitado, como se Júlio não estivesse ali, os olhos fechados. Parecia estar com muito frio, seu corpo tremia todo e, por isso, o supersticioso visitante resolveu enconstar a mão em seu corpo, na altura do pescoço. Viu então que o garoto estava com febre alta e que se não fosse chamada uma ambulância, certamente poderia tornar-se ainda pior a situação, quem sabe até com a morte do enfermo.

Por alguns momentos pareceu se esquecer de que tudo aquilo estava acontecendo numa sexta-feira 13 e logo que ergueu a cabeça viu um táxi passar por ali e acenou para que parasse. Num lance de grande sorte o motorista o viu e parou. Por conta da chuva, saiu de seu veículo com um guarda-chuva para ajudá-lo a chegar no carro e ainda deu apoio para que juntos carregassem o moço para o interior do carro.

A chuva continuava forte e algumas ruas estavam alagadas, com árvores caidas no caminho e Júlio viu como o taxista conhecia bem a cidade, saindo dos congestionamentos e das dificuldades que se colocavam diante de seu carro com grande agilidade. Chegaram então a um hospital público e, para sua grande surpresa, além de imediatamente atendidos, foram recebidos com cortesia e atenção pelos funcionários e médicos.

Depois de alguns minutos os médicos de plantão lhe disseram que havia sido providencial ter agido assim que encontrara o jovem. Alguns minutos mais e ele poderia ter realmente morrido por conta da febre alta e da forte pneumonia que tinha. Buscavam informações sobre o rapaz e em breve lhe contariam de quem se tratava, se tinha família, meios ou possibilidades de cuidar-se.

A chuva lá fora já mostrava sinais de que estava prestes a ir embora e Júlio lembrou-se de que com essa correria toda não conseguira chegar ao trabalho e resolveu ligar para lá, ciente de que poderia ser penalizado pela ausência. O celular não funcionava e por isso ligou do telefone público do hospital. Atendeu a Cíntia, bela secretária de seu chefe, o doutor Ernesto, empresário de grande sucesso que andava meio sumido do escritório, segundo diziam alguns, para fechar novos negócios.

Ela lhe informou que seu Ernesto não podia atendê-lo naquele momento, mas que tinha ficado furioso com sua ausência no dia de importante reunião com representantes de uma grande empresa alemã com a qual estava fechando parceria. Temia ela, por quem Júlia tinha uma paixão secreta, que ele poderia até perder o emprego. Suas palavras soaram ao telefone como muito mais que preocupação de colega de trabalho. Isso se confirmou ao final da ligação, quando Cíntia lhe deu seu telefone pessoal e pediu que ligasse para marcarem um café mais tarde. Ela ainda lhe disse que o patrão, com ar bastante preocupado, estava saindo naquele momento, após um telefonema urgente, mas que ela não sabia do que se tratava.

Preocupado, Júlio desligou. Lembrou-se do café com Cíntia e isso lhe permitiu descontrair um pouco. Ainda assim ficou pensando no que faria se perdesse o emprego... Foi então que viu o doutor Ernesto entrar pela porta da frente do hospital, apressado e preocupado. O patrão não percebeu que ele estava ali, ao lado do telefone e foi direto ao balcão de atendimento. A enfermeira chamou alguém pelo telefone e veio o médico que atendera o rapaz socorrido por Júlio.

Júlio observava tudo de longe e via o médico gesticular e explicar algo ao doutor Ernesto. De repente notou que o médico apontava em sua direção o que fez o dono da empresa em que trabalhava voltar seus olhos para ele. Ficou sem saber ao certo o que estava acontecendo e receoso de que aquilo poderia lhe colocar em maus lençóis... Ernesto então foi ao encontro de seu funcionário. Estava com ar sério e alguma repreensão logo aconteceria, pensou Júlio.

Para sua surpresa, o doutor Ernesto abriu os braços e com emoção o abraçou. Ele não entendeu nada, ao que o médico logo lhe explicou. O jovem por ele resgatado era Gustavo, filho mais novo do empresário, que acidentalmente batera a cabeça em casa, perdera a memória e estava perdido pelas ruas da cidade há muitos dias, causando grande preocupação a seus familiares. A pronta ação de Júlio ao resgatar o moço das ruas geladas e da chuva pesada salvara-lhe a vida e dera a oportunidade do reencontro com o pai, por isso o abraço caloroso.

Como prova da gratidão, o doutor Ernesto não só lhe perdoara a falta na importante reunião com os alemães como decidira dar a ele a promoção a um cobiçado cargo na empresa. Quando saiu do hospital, aliviado, Júlio foi ao encontro de Cíntia para o café que haviam combinado e iniciou seu namoro com a mais bela garota do escritório. Chegou em casa a noite, colocou as mãos nos bolsos para tirar de lá seus amuletos da sorte e reparou que os havia perdido em algum lugar ao longo do caminho... E, ainda assim, pensou que aquele havia sido um dia de muita sorte... Foi então que se lembrou que era uma sexta-feira 13...
 
Prof. Dr.  João Luís de Almeida Machado
Membro da Academia Caçapavense de Letras

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