Frequentemente os pilotos são submetidos a um voo de avaliação, é o voo
de cheque. O primeiro destes voos de cheque ocorre no início da carreira
para obter o brevet, e depois, periodicamente, seja uma simples
reavaliação, seja devido a um novo equipamento ou a uma outra categoria
de licença (voo por instrumento, voo com aeronaves bimotoras e etc), há
novos voos de cheque. O checador é um piloto, geralmente mais experiente
ou há mais tempo na empresa ou no equipamento.
Nestes anos todos de aviação, foram muitos os voos em que fui checado, sendo que por mais que eu esteja voando há tempos em determinado equipamento, por via das dúvidas, algumas semanas antes dos meus voos de cheque eu dou uma estudada nos manuais do avião, releio os boletins mais importantes e me atualizo ao máximo para não dar vexame, afinal de contas, um voo de cheque é sempre um momento de avaliação. Tem dado certo.
Nos primeiros voos de cheque numa empresa, é natural que o piloto a ser avaliado esteja um pouco nervoso, e por isso tenha seu desempenho um pouco prejudicado; o comandante checador deve levar isso em conta. Já nos recheques periódicos, que acontece uma vez ao ano, o checador deve exigir um melhor desempenho por parte do piloto sendo avaliado. Embora um voo de cheque deva ser considerado um voo normal, é natural que haja um certo “teatro”, e ambos os pilotos desempenhem de acordo com seus papeis, um conhece o script do outro. O checador pode fazer perguntas sobre assuntos diversos ou simplesmente perguntar ao piloto a ser avaliado se ele tem alguma dúvida, se há algum assunto que ele queira comentar. Para quem está sendo avaliado, quanto menos perguntas, melhor. Uma saída é levantar uma dúvida que provavelmente o checador não saberá responder; um texto do manual que parece dúbio, um esclarecimento a respeito de uma atualização recente em qualquer dos manuais ou ainda a respeito de um fato que tenha ocorrido com o checador.
Quando sai da aviação nacional para voar o MD-11, passei por um período de bastante estudo, pois havia muita novidade, tanto em relação ao avião quanto a todas as questões dos voos de longo curso. O cheque final para voar como comandante pode ser bastante extenso já que num voo para Europa ou Estados Unidos, por exemplo, o que não falta é tempo para perguntas, abertura de manuais e conversas para a avaliação do conhecimento. No dia do meu cheque final no MD-11, embora preparado, estava também um pouco nervoso.
Nestes anos todos de aviação, foram muitos os voos em que fui checado, sendo que por mais que eu esteja voando há tempos em determinado equipamento, por via das dúvidas, algumas semanas antes dos meus voos de cheque eu dou uma estudada nos manuais do avião, releio os boletins mais importantes e me atualizo ao máximo para não dar vexame, afinal de contas, um voo de cheque é sempre um momento de avaliação. Tem dado certo.
Nos primeiros voos de cheque numa empresa, é natural que o piloto a ser avaliado esteja um pouco nervoso, e por isso tenha seu desempenho um pouco prejudicado; o comandante checador deve levar isso em conta. Já nos recheques periódicos, que acontece uma vez ao ano, o checador deve exigir um melhor desempenho por parte do piloto sendo avaliado. Embora um voo de cheque deva ser considerado um voo normal, é natural que haja um certo “teatro”, e ambos os pilotos desempenhem de acordo com seus papeis, um conhece o script do outro. O checador pode fazer perguntas sobre assuntos diversos ou simplesmente perguntar ao piloto a ser avaliado se ele tem alguma dúvida, se há algum assunto que ele queira comentar. Para quem está sendo avaliado, quanto menos perguntas, melhor. Uma saída é levantar uma dúvida que provavelmente o checador não saberá responder; um texto do manual que parece dúbio, um esclarecimento a respeito de uma atualização recente em qualquer dos manuais ou ainda a respeito de um fato que tenha ocorrido com o checador.
Quando sai da aviação nacional para voar o MD-11, passei por um período de bastante estudo, pois havia muita novidade, tanto em relação ao avião quanto a todas as questões dos voos de longo curso. O cheque final para voar como comandante pode ser bastante extenso já que num voo para Europa ou Estados Unidos, por exemplo, o que não falta é tempo para perguntas, abertura de manuais e conversas para a avaliação do conhecimento. No dia do meu cheque final no MD-11, embora preparado, estava também um pouco nervoso.
Após os preparativos antes do
acionamento dos motores, enquanto os passageiros estavam embarcando,
surgiu uma dúvida quanto aos procedimentos de contingência relativos a
uma carga restrita que havia embarcado no porão do avião. Abri minha
malinha de voo e tirei de lá uma pastinha com diversos boletins e
“macetários” e prontamente a dúvida foi esclarecida. Minutos depois o
comandante checador efetuou um pequeno briefing em relação ao voo de
cheque, me dizendo que seria um voo normal, que ele sabia que eu era
estudioso e que, segundo as palavras dele, assombração sabe para quem
aparece. O voo seguiu tranquilo até Londres, mas o cheque ainda não
havia terminado.
Na volta, depois de debatermos alguns assuntos, ele
preguntou se havia da minha parte alguma dúvida ou algo que eu gostaria
de comentar. Disse que sim, que eu gostaria de saber o que realmente
tinha acontecido naquele voo em que ele, há quase vinte anos atrás,
tinha entrado num CB (nuvens pesadas de chuva cujo interior é carregado
de pedras de gelo, com muita chuva e turbulência) e danificado o
parabrisa do Boeing 727 com necessidade de uma descida de emergência.
Neste exato momento um dos comissários do voo entrou na cabine e o
checador me disse que depois ele comentaria o caso. Ele esqueceu e nada
mais foi dito. Ao pousar em São Paulo ele me disse que eu estava
aprovado me passou as recomendações de praxe.
Em outra ocasião, num belo domingo de sol, sai de casa para ser checado num voo decolando de Guarulhos-SP para Joinville, Navegantes e regresso a Guarulhos. Era uma manhã belíssima, sem uma nuvem no céu, nada que pudesse atrapalhar o voo. Enquanto seguia de carro para o aeroporto ia ouvindo as notícias pelo rádio até que veio as informações dos aeroportos. Dizia o locutor: - Tempo bom no Brasil, todos os aeroportos operam em condições visuais, exceto em Joinville e Navegantes. - Que azar, justamente na minha rota! - pensei eu.
Eu já era comandante há uns anos, e estava acostumado com condições meteorológicas adversas, seria apenas mais um dia. O comandante checador era um cara legal, porém bastante sério, calado e exigente. Naquela época, no começo da década de 90, eu voava o Boeing 737-200 que não era equipado com GPS e os procedimentos tanto em Joinville quanto em Navegantes não permitiam que se descesse até uma altitude muito próxima da elevação da pista, então qualquer camadinha de nuvens poderia impossibilitar o pouso. Outra dificuldade nesta rota, além das serras que estão próximas de Joinville, é o fato das etapas serem curtas, exigindo um planejamento mais rápido e ágil.
No primeiro trecho, mesmo antes de atingirmos o nível de cruzeiro, a descida já estava sendo planejada; qual o procedimento a ser executado e quais seriam as possibilidades no caso de não avistarmos a pista em função das condições meteorológicas. Contatamos a estação rádio de Joinville que nos informou que havia um forte nevoeiro sobre a região, portanto, o aeroporto estava fechado para pousos e decolagens. Não havendo previsão de melhora, seguimos direto para Navegantes, que fica a não mais de 25 minutos de voo de Joinville. Os passageiros que embarcariam em Joinville com destino a São Paulo encarariam um ônibus para pegar o avião em Navegantes, assim como os passageiros que se destinavam a Joinville, após o pouso seguiriam de ônibus ao seu destino final. Ruim para eles, melhor para mim, menos uma etapa naquele voo de cheque.
O procedimento de aproximação por instrumentos em Navegantes previa, após o sobrevoo do aeroporto, voar por três minutos em direção ao mar e com uma curva a esquerda regressar em direção a pista. Neste percurso é previsto a descida até a chamada MDA, a altitude mínima de descida, que deve ser mantida até que se aviste a pista para então prosseguir a descida e pousar. Caso, mantendo a MDA, que naquele procedimento era de 600 pés de altitude (aproximadamente 180 metros acima do mar), não se aviste a pista, é mandatório que em determinado ponto do procedimento uma arremetida sejas efetuada.
A estação rádio de Navegantes nos informou que havia uma camada de nuvens a 600 pés, justamente na nossa altitude mínima de descida. Será que iria dar certo, que seria possível completar o procedimento e pousar? Se a camada estivesse a 700 pés o aeroporto estaria aberto, seria fácil, se estivesse a 500 pés estaria fechado, seria fácil também.
Em descida na aproximação final do procedimento, voando sobre o mar em direção a pista, cuja cabeceira fica muito próxima da praia, atingimos e mantivemos os 600 pés. Voávamos justamente na base da camada das nuvens, e nada de avistarmos a pista. Estávamos seguramente sobre o mar, sem qualquer possibilidade de haver obstáculos abaixo de nós. Se mantivesse os 600 pés, provavelmente não avistaria a pista, teria que arremeter e seguir para Florianópolis, Curitiba ou mesmo regressar a São Paulo. Se por outro lado, enquanto sobrevoando o mar, eu desse uma “furadinha” na MDA, e descesse um pouco, seria possível avistar a pista e seguir para o pouso. Na primeira opção o checador diria que eu não estava errado, mas que sendo comandante eu bem poderia saber que estávamos seguramente sobre o mar e que talvez 50 ou 100 pés abaixo da MDA por um breve período não teria afetado a segurança do voo e levado ao sucesso da operação. Por outro lado, se eu “furo” a MDA e prossigo para o pouso, o checador poderia dizer que apesar de não ter afetado a segurança, houve uma violação intencional das regras básicas de segurança, em total desacordo com a política da empresa e bláh, bláh, bláh.
Com o piloto automático mantendo os 600 pés, olhei para o checador na tentativa de ler seus pensamentos. Não li nada, vi um semblante sério e compenetrado. Olhei para baixo e ao avistar um pequeno barco de pesca , desacoplei parcialmente o piloto automático, desci um pouco, anunciando que estava com referências visuais com o solo, no caso, com o mar. Bastaram 50 pés abaixo da MDA para sairmos da camada de nuvens e avistarmos a pista. Após o pouso, ao estacionarmos a aeronave o checador disse: - Para mim está ótimo, o cheque está encerrado, vamos trocar de assento que eu gostaria de fazer a etapa para São Paulo. – Sim Senhor, é todo seu. - Respondi prontamente.
Comandante Beto Carvalho
é aviador e piloto dos grandes jatos
Em outra ocasião, num belo domingo de sol, sai de casa para ser checado num voo decolando de Guarulhos-SP para Joinville, Navegantes e regresso a Guarulhos. Era uma manhã belíssima, sem uma nuvem no céu, nada que pudesse atrapalhar o voo. Enquanto seguia de carro para o aeroporto ia ouvindo as notícias pelo rádio até que veio as informações dos aeroportos. Dizia o locutor: - Tempo bom no Brasil, todos os aeroportos operam em condições visuais, exceto em Joinville e Navegantes. - Que azar, justamente na minha rota! - pensei eu.
Eu já era comandante há uns anos, e estava acostumado com condições meteorológicas adversas, seria apenas mais um dia. O comandante checador era um cara legal, porém bastante sério, calado e exigente. Naquela época, no começo da década de 90, eu voava o Boeing 737-200 que não era equipado com GPS e os procedimentos tanto em Joinville quanto em Navegantes não permitiam que se descesse até uma altitude muito próxima da elevação da pista, então qualquer camadinha de nuvens poderia impossibilitar o pouso. Outra dificuldade nesta rota, além das serras que estão próximas de Joinville, é o fato das etapas serem curtas, exigindo um planejamento mais rápido e ágil.
No primeiro trecho, mesmo antes de atingirmos o nível de cruzeiro, a descida já estava sendo planejada; qual o procedimento a ser executado e quais seriam as possibilidades no caso de não avistarmos a pista em função das condições meteorológicas. Contatamos a estação rádio de Joinville que nos informou que havia um forte nevoeiro sobre a região, portanto, o aeroporto estava fechado para pousos e decolagens. Não havendo previsão de melhora, seguimos direto para Navegantes, que fica a não mais de 25 minutos de voo de Joinville. Os passageiros que embarcariam em Joinville com destino a São Paulo encarariam um ônibus para pegar o avião em Navegantes, assim como os passageiros que se destinavam a Joinville, após o pouso seguiriam de ônibus ao seu destino final. Ruim para eles, melhor para mim, menos uma etapa naquele voo de cheque.
O procedimento de aproximação por instrumentos em Navegantes previa, após o sobrevoo do aeroporto, voar por três minutos em direção ao mar e com uma curva a esquerda regressar em direção a pista. Neste percurso é previsto a descida até a chamada MDA, a altitude mínima de descida, que deve ser mantida até que se aviste a pista para então prosseguir a descida e pousar. Caso, mantendo a MDA, que naquele procedimento era de 600 pés de altitude (aproximadamente 180 metros acima do mar), não se aviste a pista, é mandatório que em determinado ponto do procedimento uma arremetida sejas efetuada.
A estação rádio de Navegantes nos informou que havia uma camada de nuvens a 600 pés, justamente na nossa altitude mínima de descida. Será que iria dar certo, que seria possível completar o procedimento e pousar? Se a camada estivesse a 700 pés o aeroporto estaria aberto, seria fácil, se estivesse a 500 pés estaria fechado, seria fácil também.
Em descida na aproximação final do procedimento, voando sobre o mar em direção a pista, cuja cabeceira fica muito próxima da praia, atingimos e mantivemos os 600 pés. Voávamos justamente na base da camada das nuvens, e nada de avistarmos a pista. Estávamos seguramente sobre o mar, sem qualquer possibilidade de haver obstáculos abaixo de nós. Se mantivesse os 600 pés, provavelmente não avistaria a pista, teria que arremeter e seguir para Florianópolis, Curitiba ou mesmo regressar a São Paulo. Se por outro lado, enquanto sobrevoando o mar, eu desse uma “furadinha” na MDA, e descesse um pouco, seria possível avistar a pista e seguir para o pouso. Na primeira opção o checador diria que eu não estava errado, mas que sendo comandante eu bem poderia saber que estávamos seguramente sobre o mar e que talvez 50 ou 100 pés abaixo da MDA por um breve período não teria afetado a segurança do voo e levado ao sucesso da operação. Por outro lado, se eu “furo” a MDA e prossigo para o pouso, o checador poderia dizer que apesar de não ter afetado a segurança, houve uma violação intencional das regras básicas de segurança, em total desacordo com a política da empresa e bláh, bláh, bláh.
Com o piloto automático mantendo os 600 pés, olhei para o checador na tentativa de ler seus pensamentos. Não li nada, vi um semblante sério e compenetrado. Olhei para baixo e ao avistar um pequeno barco de pesca , desacoplei parcialmente o piloto automático, desci um pouco, anunciando que estava com referências visuais com o solo, no caso, com o mar. Bastaram 50 pés abaixo da MDA para sairmos da camada de nuvens e avistarmos a pista. Após o pouso, ao estacionarmos a aeronave o checador disse: - Para mim está ótimo, o cheque está encerrado, vamos trocar de assento que eu gostaria de fazer a etapa para São Paulo. – Sim Senhor, é todo seu. - Respondi prontamente.
Comandante Beto Carvalho
é aviador e piloto dos grandes jatos
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